domingo, 28 de novembro de 2021

No silêncio do espaço


Nem mesmo nossas máquinas sobreviviam aqui, por que nós conseguiríamos?

 Era como um instinto, cada célula de meu corpo gritava para eu simplesmente dar meia volta e retornar de onde vim, para o aconchego do meu planeta. Aqui havia um sinal de possível vida inteligente, então nós precisávamos vir verificar, já que as sondas e robôs simplesmente desligavam ao se aproximar do sinal, mas por algum motivo naves tripuladas pareciam não sofrer do mesmo efeito, então eu e Charles fomos amaldiçoados com a responsabilidade de descobrir o que diabos emitia esse sinal.

 O equivalente a 3 dias se passou desde que saímos da base de operações no sétimo e último planeta desse sistema, e apenas algumas horas restavam para que chegássemos à órbita do planeta que circulava aquela anã vermelha. Eu nunca quis tanto que a viagem de dobra fosse permitida dentro dos sistemas, mesmo com as chances de se chocar direto com o planeta ou algum asteroide no processo, pois assim essa ansiedade e aflição sumiriam de vez.

 Charles sempre tentava girar algo entre os dedos quando estava ansioso ou inquieto, e lá estava ele com sua caneta sem tinta, um presente de seu avô que ele guardava desde seus quinze anos, e é um mistério como ele ainda não perdeu ela mesmo depois de 32 anos. Aquele cabelo grisalho ainda me deixava desconfortável mesmo vendo ele quase todo dia, não me agrada muito o fato de que estou ficando velho, não tanto quanto Charles, claro, mas as rugas já estão dando as caras.

“Equipe de exploração Nagata-44 para Zeta-79, estão na escuta?”. A voz firme e ainda sim calma de Charles quase não denunciava o seu nervosismo.

“O contato no interior do sistema não funciona, Charles. Fomos avisados disso”. E eu queria tanto que isso fosse mentira, assim como Charles.

“Não custa nada tentar”.

“Pela terceira vez hoje?”. A definição de dia no espaço tende a ser muito confusa, mas estamos acostumados.

Charles da de ombros a caminha até a janela mais próxima, observando o abismo infinito do qual nos encontrávamos dentro. Não conseguia observar aquilo por mais de cinco minutos nessa viajem, por mais que minha cota de observação espacial beire às mais de 500 horas.

 Repentinamente um arrepio inexplicável atravessa meu corpo, me fazendo arregalar os olhos e parar no meu caminho até o mapa holográfico, e posso dizer que Charles sentiu a mesma coisa que eu, já que o som da caneta dele quicando no chão parecia ser o único som permeando a sala naquele momento. Lentamente me viro na direção de Charles que faz o mesmo, e engole em seco.

 “Campo gravitacional detectado. Iniciando protocolo de órbita. Gravidade artificial reduzida em 29%.”. A inteligência artificial da nave quebra o silêncio como um copo de vidro se chocando contra o chão. “Destino alcançado. Protocolo de Órbita finalizado. Gravidade artificial normalizada.”

 Não havia mais volta.

 O sinal havia ficado consideravelmente forte, estávamos na trilha certa, e isso me assustava. Se tratava de um planeta congelado, nada mais do que um grande deserto inabitável, sendo orbitado por um satélite natural em estado deplorável. Incontáveis crateras, fendas semelhantes a cicatrizes e algumas cavidades das quais eu me recusava a olhar com mais curiosidade.

 Conforme orbitávamos o planeta carinhosamente apelidado de “cu de lugar nenhum”, notamos que o sinal ficava mais estável perto de um dos polos, até que ficamos logo acima da origem desse maldito sinal.

“Charles, inicie...”. Eu não queria dar a ordem, assim como Charles obviamente não queria recebê-la, aposto que no meu lugar ele nos mandaria dar meia volta, mas ordens são ordens. “Charles, inicie o protocolo de exploração”. E após um momento de hesitação, ele o faz.

“Protocolo de pouso exploratório iniciado. Jato estará pronto para entrar na atmosfera em 2 minutos. Boa sorte viajantes.”

 Essas palavras sempre inauguravam nossas entradas em órbita, mas desta vez elas me deixaram desconfortável.

 Eu e Charles fizemos os preparativos padrão, colocando nossas vestes e pegando as armas, não podíamos chegar lá de mãos abanando, especialmente aqui. Quando terminamos, o Jato já estava pronto, então apenas embarcamos nele e aguardamos o mesmo ser ejetado da nave, e em questão de segundos estávamos no vazio e inóspito lado de fora dela, indo em direção a missão mais difícil até então.

 Se eu dissesse que a entrada na atmosfera foi normal, estaria mentindo. Não é bem algo que possa ser explicado, mas foi algo definitivamente diferente, até mesmo Charles parecia confuso quando iniciamos a aterrissagem, mas nenhum de nós queria falar sobre, talvez pelo melhor, então apenas aterrissamos em silêncio, deixando apenas o painel e avisos nos guiar. Já havíamos feito isso incontáveis vezes, tanto Chales quanto eu, executávamos manobras e ligávamos os propulsores antes ou ao mesmo tempo em que o painel nos avisava para o fazermos. Eu só queria que nossa experiência fosse o suficiente para dissipar toda a tensão e aflição que pairava sobre nós nesse instante.

 Assim como a entrada em órbita ou o momento que adentramos este maldito sistema, a aterrissagem foi estranha e aflita, mas aqui era simplesmente surreal: não havia cores. Estávamos em um deserto de gelo e neve, onde nada passava de tons de preto e branco, e até mesmo a anã vermelha que deveria iluminar o céu, não passava de uma bola escura que de alguma forma conseguia iluminar onde estávamos, e até mesmo o jato – que eu jurava por minha vida que era vermelho – não passa dos mesmos tons claros e escuros que formam esse inferno.

 “Eu... Eu não sei o que está acontecendo aqui”. Diz Charles observando ao redor, porém com medo em seu olhar.

 “Vamos apenas achar o que está causando essa merda de sinal e ir embora”. Eu já estava me irritando, mas de alguma forma o medo parecia se sobressair.

 O maldito sinal estava bem abaixo de nós, e como o escaneamento não funcionava devido a interferência, precisaríamos utilizar a broca e rezar para o chão não desabar ou descobrimos uma forma de vida forte e hostil, por mais que eu duvide que uma atmosfera tóxica dessas seja capaz de sustentar alguma. Charles iniciou a broca do jato, e em menos de 10 minutos, todos os apoios estavam fixos e a broca já estava começando a perfurar um poço.

 Trinta minutos de perfuração, nem mesmo Charles que é um tremendo tagarela durante procedimentos onde precisamos esperar as máquinas se atreveu a dizer uma única palavra sequer, apenas ocasionalmente olhávamos para o horizonte em cor ou tentávamos sem sucesso estabelecer contato com a nossa nave, e então a broca infelizmente apita. Tanto Charles quanto eu instintivamente tocamos nossas armas, mesmo já tendo ouvido esse mesmo som centenas de vezes. A broca encontrou algo.

 Eu não me aproximei logo de cara, definitivamente não estava empolgado para saber o que a broca havia encontrado, mas eu precisava. Ignorando os avisos que meu medo dava, eu me aproximei do poço que a broca havia feito, onde Charles se encontrava, cautelosamente observando aquela profunda escuridão onde parecia que nem mesmo a luz se atrevia a permear. Então eu olhei para Charles, bem em seus olhos através do visor transparente de seu capacete, e de certa forma eu me senti olhando para um espelho. Ambos estávamos com medo, isso era óbvio por mais que ninguém estivesse disposto a admitir, e naquele momento quando fizemos contato visual um com o outro, eu sei que ele sentiu ao mesmo tempo que eu, nós acabamos de chegar ao ponto onde não havia mais retorno. Talvez a partir do momento em que fomos designados para esta missão nosso destino já estava selado, mas assim que a broca apitou, nada mais podia ser feito, e isso me atormentava.

 Somente quando peguei um bastão sinalizador que eu notei o quão trêmulas minhas mãos estavam, mesmo com frio intenso eu não podia culpá-lo, nossas vestes deveriam aguentar temperaturas absurdamente negativas sem o menor dos problemas, mas aqui eu conseguia senti-lo, lado a lado com o medo que apavorava cada centímetro de meu corpo.

 Eu apenas acendi o bastão e o soltei naquele poço escuro, esperando pelo pior que nem mesmo eu sabia o que era, e depois de aparentemente 50 metros ele parou e quicou para o lado, de modo que apenas uma luz sem sua origem fosse notada por nós. Aquele poço parecia tão profundo que somente olhar para ele fazia meu estômago despencar.

 Com muito receio eu me preparei para descer pelo cabo que acompanhava a broca até o fundo. Normalmente o Charles me acompanharia enquanto dois drones fariam a segurança da nave e equipamentos, porém como os drones sequer queriam ligar, o protocolo emergencial que estávamos sendo obrigados a utilizar designava o explorador com maior experiência a ir sozinho, e por três anos a mais que Charles nesse trabalho, eu fui amaldiçoado. Ambos sabíamos disso, então houve apenas uma troca de olhares, e nenhuma palavra foi dita. Charles sequer se ofereceu para ir eu meu lugar, mas por mais que eu quisesse eu não poderia culpá-lo, pois sinto que faria o mesmo na pele dele, ser um velho agora não parecia ser uma má ideia. Charles me ajudou nos preparativos para a minha descida, e quando eu soube que tudo estava pronto, eu engoli em seco, acenei para Charles, e comecei a me aproximar da escuridão.

 É algo inexplicável, eu particularmente nunca acreditei em Deus, a ciência sempre dava um jeito de explicar a mais complicada das coisas por mais demorado e difícil que fosse, mas aqui, nada do tipo havia sequer sido cogitado antes, não havia radiação, não havia anomalias gravitacionais, não havia nada além do medo, nem mesmo algo tão básico e primitivo como as cores. Eu nunca pensei que algo fosse me fazer abandonar a minha descrença em uma força superior, eu estava certo de que jamais acreditaria em um Deus, e por mais que eu odiasse o pensamento de que situações extremas te fazem acreditar em uma força superior, agora eu sinto na pele o quão real e amedrontador isso é, mas o mais apavorante de tudo, o que me causava arrepios, era o fato de que não importava se eu me tornasse um crente nesse exato momento, pois eu tinha certeza de que nem mesmo Deus se atreveria a vir aqui.

 Antes mesmo de chegar ao fundo, me deparo com uma pequena gruta a alguns metros do chão onde a broca se encontrava deitada, e assim que meus pés encontram o final de minha descida, minhas pernas abandonam o peso de meu corpo, fazendo com que eu caísse de joelhos e me apoiasse com minhas mãos, até mesmo respirar estava difícil, como se meus pulmões se recusassem a absorver o oxigênio. Eu tentei recuperar o fôlego por alguns segundos, até que tive forças para ficar de joelhos, e com uma perna de cada vez, me apoiando na lateral da broca, finalmente ficar consegui ficar de pé.

 A única iluminação ali era causada pelo bastão sinalizador, que parecia ser engolido pela escuridão densa daquela gruta, e como eu precisava de mais luz, empunhei minha lanterna. A lanterna piscou algumas vezes antes de ligar, como se o medo que já parecia poder ser tocado de tão denso também a estivesse atormentando, e a iluminação trêmula dela entregava o medo que eu estava sentindo. Após um minuto ou dois olhando ao redor, eu notei que não estava em uma gruta, mas sim em um salão, o chão abaixo de mim possuía pisos com desenhos encravados, assim como as paredes também tinham desenhos semelhantes as pinturas nas cavernas da terra, onde eu sacrificaria qualquer coisa para estar nesse momento.

 Eu estava tão consumido pelo medo, que sequer um resquício de alegria era capaz de dar as caras. Eu havia descoberto sinais de civilização, a terceira descoberta em toda a história espacial da humanidade e eu só conseguia sentir medo, eu sacrificaria cada medalha e cada elogio que receberia para nunca ter aceitado essa missão, eu mataria para nunca sequer ter descido neste buraco, e o fato de nada disso importar agora me atormentava ainda mais.

 Havia apenas três caminhos a seguir e eu me recusava a explorar cada um deles, então eu fui em direção a cada um e verifiquei a intensidade do sinal, por fim eu segui o caminho com mais intensidade.

 Minhas pernas travaram na entrada circular para o corredor escuro e congelado, eu sequer conseguia olhar para trás com medo da própria escuridão me agarrar enquanto eu não estivesse olhando, e minha respiração trêmula não me encorajava a ir adiante. Devem ter se passado cerca de dois ou três minutos até que eu conseguisse caminhar novamente, não antes deixando um bastão aceso logo na entrada desse corredor, sendo acompanhado apenas pela minha respiração e o chiado do sinal.

 Durante o percurso, eu imaginei o quão feliz eu ficaria se o sinal emitisse cor, e a cada nove metros eu deixava um bastão aceso no chão por mais que eu estivesse em um corredor com apenas algumas curvaturas leves, o manual dizia que assim deveria ser feito, e ele era a única coisa que me impedia de afundar neste mar sem cor de medo e aflição até eu chegar ao fim do corredor. Iluminando as paredes que formavam um arco, o que pareciam ser escrituras percorriam a extensão do chão de um lado da parede até o chão do outro lado, com desenhos de figuras espirais e seres humanoides com esferas e algo em formato de “S” deitados em suas mãos que apenas agora as havia percebido. Talvez movido pelo medo, meu corpo esteja procurando desculpas para evitar que eu descubra o que tem logo a frente, mas eu duvido que minha curiosidade nesse instante seja simplesmente curiosidade.

 Assim como minhas pernas travaram na hora de adentrar o túnel, não foi diferente agora, elas se recusavam a me obedecer. Meus pensamentos se encontravam agora em Charles e o que ele poderia estar fazendo, se estaria tentando se comunicar com a nave, se estaria analisando o sinal agora que estávamos mais próximos, ou se simplesmente tivesse entrado no jato e me deixado nesse lugar abandonado, e eu sei que seria injusto culpá-lo por isto.

 Se não fosse o tecido que absorvia o suor em minha testa, meu capacete já estaria encharcado, até mesmo o ato de engolir em seco parecia desafiador a esse ponto, e por mais que o medo fosse tangível eu precisaria seguir em frente ou isso tudo seria em vão.

 Com minha respiração ainda trêmula, eu dei o primeiro passo desde que minhas pernas haviam parado de se mover, era como se eu estivesse reaprendendo a andar, com um passo de cada vez eu me aproximava mais e mais do fim do corredor, onde a luz de minha lanterna iluminava apenas alguns centímetros antes de ser engolida pelo escuro. Em um breve impulso eu eliminei de uma vez a distância do último passo até a sala que existia no final do corredor, mas eu não conseguia sequer sentir arrependimento depois de ver aquilo, apenas o frio.

 Eu não sabia o que esperar da origem do sinal, talvez no máximo um pedido de socorro alienígena, mas nada comparado àquilo. A luz não adentrava mais do que alguns centímetros pois um abismo a engolia, e no distante, como uma bola branca flutuando em um lago durante a noite, havia uma esfera que emitia uma luz cinzenta que era forte apenas para não ser engolida pela escuridão que me impedia de ver o outro lado desse abismo. Eu acendi mais um flare e o soltei no abismo, que rapidamente o engoliu em um piscar de olhos, e repentinamente o sinal ficou em seu pico, tão alto que fui obrigado a desligar o aparelho, o que deixou apenas minha respiração trêmula me fazendo companhia.

 Curioso eu estendi a mão em direção a esfera, não sabendo muito bem o que eu esperava, mas quando ela começou a flutuar em minha direção, uma sensação de arrependimento cruzou o meu peito como uma estaca. No entanto eu não abaixei minha mão, a curiosidade passou a me consumir naquele momento e o medo que fazia meu estômago embrulhar começou a se dissipar como se uma mochila cheia de pedras fosse tirada de minhas costas. Conforme aquela esfera se aproximava, gravuras ficavam visíveis em sua superfície que lembrava uma pedra pobremente polida, e sequer um resquício de gelo estava em sua superfície, eu estava hipnotizado e no momento eu não me importava.

 Conforme a esfera de pedra se aproximava ela aumentava aos poucos de tamanho, chegando a ficar com o dobro do meu tamanho assim que ela parou na minha frente. A esfera de alguma forma era como um espelho curvo, mostrando minha forma deformada, mas sua superfície era áspera como a de uma lixa com escrituras talhadas na mesma. Alguns segundos depois de ter tocado nela, partes da superfície começaram a girar como discos ao redor de onde minha mão estava, e tudo o que eu mais queria era sair dali, mas eu sentia que não podia, que não deveria e que tudo ficaria bem, e mesmo sabendo que eram mentiras, eu ali permaneci, não me atrevendo a me mover em sua presença. Eu só não sabia na presença do que.

 De alguma forma a palavra “adormecido” foi entendida por meu cérebro, o que fez um frio inexplicável passar pela minha espinha ao mesmo tempo em que o brilho cinzento da esfera se apagou e ela caiu no abismo, sendo engolida em um piscar de olhos assim como o bastão. Como um soco eu tive o arrepio mais intenso da minha vida que trouxe com sigo todo o medo de uma só vez, e então eu só dei meia volta e corri.

 A cada passo eu me sentia mais pesado, como se o medo e a aflição dobrassem. Quanto mais perto eu chegava do jato, mais perto o escuro estava de mim, como se eu estivesse sendo perseguido por algo do qual eu tinha medo de imaginar o que poderia ser. Estava apenas me guiando pelos bastões acesos e sem cor que eu havia deixado, como se eu estivesse perdido em um corredor, e em questão de segundos eu percorri a mesma de distância que o medo havia me feito demorar vários minutos que mais pareciam horas.

 Por sorte a corda de aço ainda estava lá ao lado da broca, talvez Charles não tivesse me abandonado aqui, ou ele se foi e deixou a corda para que esse buraco não fosse o meu túmulo. Eu não me atrevia a olhar para trás mesmo não escutando nada me seguindo, mas ainda sim tinha medo de estar errado por mínimas que as chances fossem. Eu sequer segui o maldito protocolo de desconectar a corda da broca e ligar o motor para me puxar, eu simplesmente pulei na corda como se minha vida dependesse daquilo e desesperadamente comecei a subi-la contando apenas que o atrito de minhas mãos e pernas fossem o suficiente para me carregar até a superfície. Eu estava ignorando o dano que aquilo estava causando nas luvas e botas das vestes, a corda era ainda mais áspera com o gelo acumulado, e o frio estava passando pelo isolamento e eu percebi que o que eu estava sentindo não era nada comparado ao frio que fazia do lado de fora das vestes, mas eu não podia parar agora, eu estava tão perto.

 Minhas mãos e joelhos estavam doloridos de frio, mas se eu soltasse agora eu morreria e esse abismo seria o meu túmulo, minha alma seria eternamente atormentada nesse inferno gelado e eu me recusava a deixar isso acontecer, a luz se aproximava. O fim da corda chega, minhas mãos já estavam com uma dor insuportável por causa do frio, mas eu precisava sair daqui.

“Charles! Me ajuda!”. Minha voz não passava de um som abafado por fora das vestes.

O comunicador deveria funcionar em uma distância tão curta, e mesmo assim não tive resposta de Charles. Eu consigo me segurar na base horizontal da corda com um braço e com o outro eu me agarro em um dos três apoios, desesperadamente usando minhas pernas para conseguir o mínimo de impulso que fosse.

“Charles? Você não está me ouvindo, droga? Me ajuda!”. Mais um grito desesperado que foi em vão.

 Eu sequer conseguia olhar ao redor para procurar Charles, como se qualquer erro fosse ser o motivo de minha queda. Até que eu finamente consigo me arrastar para fora do buraco, ofegante e gemendo de dor pelo frio intenso nas minhas mão e joelhos. Eu me arrasto para longe do buraco até meus braços e pernas falharem, então eu finalmente começo a procurar Charles até o encontrar. Ele estava de costas, olhando para cima, não movia um músculo sequer.

“Charles seu merda, por que não me ajudou? O que você está fazendo?”. Minha voz ofegante e fraca usou todas as minhas forças, eu só queria ir embora.

 Charles então leva sua mão ao pescoço, onde ficava o comando de microfone, e o liga, sinalizando em meu visor a troca de uma luz cinza escuro para um cinza mais claro que era quase imperceptível se comparada a anterior.

“Nós o libertamos”. Diz Charles com uma voz trêmula como se estivesse chorando, e então completa. “Eu estou com medo Markus”. Charles então cai de joelhos.

 Eu já estava sem forças, com certeza congelaria até a morte por um erro idiota guiado pelo desespero, então eu só consegui me virar me deitando de costas olhando para o céu e imediatamente me arrependi.

 A lua não estava lá antes, era como um abismo no céu, eu tinha certeza de que ela estava olhando minha alma, absorvendo minha mente e deixando apenas a loucura e tormenta para trás. Ela então começou a sorrir, e assim a noite veio.

 Uma lágrima escorreu de meus olhos, eu não queria morrer.


Escrita por NicklerJoy.

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