segunda-feira, 30 de junho de 2014

PENPAL - Parte 4 - Mapas



continuação da creepypasta Penpal, leia antes Penpal parte 3

Teve um comentário no ultimo post que me fez lembrar uma coisa da minha infância, que sempre considerei estranha, mas nunca relacionei ao conteúdo das minhas histórias. Agora, sei que é. É engraçado como a memória funciona. Detalhes podem estar lá, presentes na sua cabeça, esparsos e bagunçados, até que um único pensamento ligue os pontos instantaneamente. Nunca tinha pensado nesses acontecimentos por que estava concentrado nos detalhes errados. Voltei pra casa da minha mãe e revirei meus antigos trabalhos de escola procurando por algo que pensava ser importante. Não achei, mas continuarei à procura. Mais uma vez, peço desculpas pelo tamanho do texto.

A maioria dos bairros em cidades antigas não foi pensando-se que a população poderia aumentar exponencialmente e precisaria de lugar pra ser acomodada. O desenho das estradas é, geralmente, só uma resposta aos obstáculos geográficos e à necessidade de juntar pontos de relevância econômica. Uma vez que haja essas conexões, novas empresas e ruas se apenas se posicionam estrategicamente ao esqueleto já existente; eventualmente, os trajetos estabelecidos serão fossilizados em asfalto, deixando espaço apenas pra algumas modificações ou adições, nunca pra uma mudança dramática.
O bairro da minha infância deve ter sido antigo, acho. My childhood neighborhood must have been old, then. Se a menor distância entre dois pontos é uma reta, meu bairro é provavelmente um caracol. As primeiras casas devem ter sido construídas ao redor do rio e, gradualmente, a areá habitada cresceu à medida que novas ruas foram adicionados ao mapa original, mas todas essas terminavam abruptamente em algum ponto aleatório – só tinha uma entrada e saída no bairro todo. A maioria dessas “extensões” eram limitadas por uma vala que tanto começava quanto terminavam no rio e pareciam, como eu acabei chamando-as, com trincheiras. Muitas das casas originais tinham quintais enormes, mas alguns terrenos tinham sido divididos, deixando limites cada vez menores entre cada propriedade. Um mapeamento aéreo do bairro daria a impressão de que uma lula gigante morreu no meio do bosque e algum empreendedor aventureiro achou seu corpo, fazendo ruas e rodovias a partir dos tentáculos, só pra, no fim, retirar seus investimentos de lá, deixando só tempo, vontade e desespero de dividir a terra numa tentativa vergonhosa de organizar o lugar sob uma proporção áurea.

Da minha varanda, dava pra ver as casas antigas ao redor do lago. A casa da Dona Maggie era minha favorita. Ela tinha, numa perspectiva otimista, uns oitenta anos de idade, mas apesar disso era uma das pessoas mais amigáveis que já conheci. Tinha uma cabeça meio avoada, cachinhos brancos e usava vestidos leves com estampas florais. Sempre falava, da varanda de casa, comigo e com Josh enquanto nadávamos, e nos convidava pra lanchar. Dizia que era solitária por que seu marido, Tom, viajava muito a negócios. Josh e eu sempre dizíamos não por que, por mais legal que Dona Maggie fosse, tinha algo de estranho com ela.

Às vezes, quando nadávamos pra longe, ela dizia

-Chris e John, são bem vindos aqui quando quiserem! – E ainda a ouvíamos no caminho de volta pra casa.

Dona Maggie, assim como a maioria dos moradores das casas antigas, tinha um sistema de irrigação ligado num timer, que devia ter quebrado em algum momento por que os sprinklers ligavam diversas vezes de dia e de noite o ano inteiro. Por mais que nunca tenha feito um frio de nevar muito, muitas vezes eu saí de casa de manhã pra ver o quintal da Dona Maggie transformado por água congelada num paraíso ártico surreal. Os outros quintais permaneciam estéreis e secos pela mordida gélida do frio invernal, mas lá, bem no meio daquela lembrança constante de como a natureza é selvagem, havia um belo oásis de gelo, parado como estalactites caindo em cada ramo de cada árvore e em cada folha de cada arbusto. Reluzia com o nascer do sol e cada pedacinho de gelo moldava a luz num arco-íris que devia ser apreciado logo antes que irritasse os olhos. Mesmo criança, era atingido por essa beleza. Josh e eu constantemente íamos lá pra caminhar na grama congelada e brincar de esgrima com os pedaços de gelo.

Uma vez perguntei pra minha mãe por que ela deixava os sprinklers ligados. Mamãe pareceu pensar numa explicação antes de responder:

-Bom, amor, a Dona Maggie é bem doente, e, às vezes, quando piora, ela fica confusa. Por isso confunde você com o Josh. Ela não quer ofender, só não lembra das coisas. Ela vive naquela casa enorme sozinha. Tudo bem falar com ela quando for nadar, mas quando ela convidar pra entrar, diz que não. Seja educado, não vai magoar.

-Mas ela vai se sentir menos sozinha quando o marido voltar, né? Quanto tempo ele vai viajar a negócios? Parece que ele tá sempre longe. – Mamãe hesitou e pude perceber que estava bastante chateada. Finalmente, respondeu:

-Amor... O Tom não vai voltar pra casa. Tom foi pro céu. Ele morreu anos e anos atrás, mas a Dona Maggie não lembra. Ela se confunde e esquece, mas o marido nunca vai voltar pra casa. Se alguém se mudasse pra lá, ela podia até confundir e pensar que era ele, mas ele se foi, amor.

Eu devia ter só uns cinco ou seis anos quando ela me contou isso, e, ainda que não tivesse compreendido tudo completamente, fiquei profundamente triste pela Dona Maggie. Agora sei que a Dona Maggie tinha Alzheimer. Ela e o marido Tom tiveram dois filhos: Chris e John. Os dois tinham combinado com as empresas pra revezar os pagamentos pela água e pela luz, mas nunca iam visitar. Não sei se algo aconteceu entre eles, se era a doença, ou se eles só vivam longe demais, mas nunca apareceram. Não tenho ideia de como eram fisicamente, mas houve vezes em que a Dona Maggie deve ter pensado que Josh e eu parecíamos com seus filhos quando crianças. Ou talvez ela só viu o que uma parte desesperada de sua mente quis ver; ignorar as imagens vindas do nervo ótico pra reviver as lembranças. Só agora que vejo o quão sozinha ela devia ser.

Durante as férias de verão da escola, antes dos eventos descritos em Balões, Josh e eu começamos a explorar o bosque perto da minha casa e o conjunto de valas do lago. Sabíamos que os bosques entre nossas casas eram ligados, e achamos que ia ser demais se o lago perto da minha casa fosse de alguma forma ligado ao córrego perto da dele, e aí resolvemos descobrir.

Íamos desenhar mapas.

O plano era criar dois mapas separados e juntá-los depois. Íamos fazer um mapa explorando a área ao redor do córrego perto da casa dele e depois outro, seguindo a partir da minha casa.

Originalmente, íamos fazer um só, mas percebemos que não seria possível que comecei a desenhar o mapa da minha tão grande que não foi possível encaixar a rota da casa dele na escala. Deixamos o mapa do lago na minha casa e o do córrego na dele, e íamos completando os dois enquanto dormíamos na casa um do outro.

Nas primeiras semanas, deu tudo certo. Caminhávamos pelas árvores ao redor da água e pausávamos toda hora pra completar os mapas e parecia mesmo que os dois iam se juntar em algum ponto. Não tínhamos nada do que é exigido pra esse trabalho – nem mesmo um compasso – mas tentamos compensar. Tivemos a ideia de enterrar um pedaço de pau no chão ao fim de uma caminhada pra, quando o achássemos de novo, sabermos que os dois mapas tinham finalmente se encontrado. Talvez fomos os piores cartógrafos do mundo. Uma hora, no entanto, o matagal se tornou denso demais perto da água e não conseguimos ir mais longe. Perdemos um pouco do interesse pelo projeto e diminuímos as explorações significativamente – embora nunca tenhamos parado de fato – quando começamos a vender raspadinha.

Depois que mostrei as fotos que trouxe da escola pra minha mãe e ela confiscou minha máquina de raspadinha, nosso interesse por mapas foi revitalizado. Tivemos que bolar outro plano. Ainda que não entendesse o porquê, minha mãe impôs restrições severas no que eu podia fazer ou onde podia ir, e tinha que dar sinal de vida toda hora quando saía pra brincar com Josh. Isso significava que não podíamos passar horas no bosque procurando por outro jeito de atravessar a parte densa. Pensamos em simplesmente ir nadando quando chegássemos a ela, mas não daria certo já que o mapa ficaria molhado. Tentamos ir mais rápido quando saímos da casa do Josh, mas sempre acabávamos parados no mesmo ponto. Aí tivemos uma ideia brilhante.

Construir uma jangada.

Devido a obras na vizinhança, havia muito resto de material de construção que a empreiteira jogava nas valas pra deixar as ruas e o campo de construção livres, já que não era mais necessário.

Pensamos originalmente num navio formidável, com mastro e âncora, mas essa ideia rapidamente se desmantelou em algo mais simples. Pegamos madeira e canos cheios de palha e os amarramos usando corda e barbante de pipa.

Partimos um pouco antes da casa de Dona Maggie e lhe demos adeus, enquanto ela nos implorava pra voltar. Não havia nada pra nos impedir. A jangada funcionou bem e, embora falássemos como se aquilo tivesse sido muito fácil de construir, sei que pelo menos eu estava muito surpreso. Tínhamos um galho de árvore bem grande pra usar como remo, mas vimos que era muito mais fácil simplesmente usá-los pra impulsionar o barco a partir do chão do lago do que realmente navegar com eles. Quando a água ficava funda demais, simplesmente deitávamos de bruços e usávamos as mãos pra empurrar, e funcionava – mesmo que não tão bem. Da primeira vez que fizemos isso, lembro de pensar que, de longe, parecia um cara muito gordo de braços bem finos nadando.

Na verdade, demorou bastante pra levar a jangada até o pedaço de mata impenetrável que marcava até onde tínhamos ido. Depois da ideia de marcar o caminho com um pedaço de pau, planejamos ir até a marcação e, aí, tão precisa e cuidadosamente quanto conseguíamos, rastrear nosso curso. Isso significou que o obstáculo estava bem longe e navegar da minha casa até o maço de árvores demoraria mais do que o esperado. Navegávamos um pouco e aportávamos a jangada, pra na próxima vez chegar lá a pé pelo bosque e ir um pouco mais longe. Devíamos estar indo muito bem, mas quando finalmente conseguimos chegar ao obstáculo e tivemos a oportunidade de ir além, não achamos lugar pra estacionar a jangada. O mato era denso demais e a água tinha erodido a terra ao ponto de haver mais de meio metro de margem descamada, expondo as raízes torcidas e podres das árvores. Dávamos a volta toda a vez e deixávamos a jangada no mesmo obstáculo que nos obrigara a construí-la em primeiro lugar. Pra piorar, o inverno chegou e não tínhamos desculpa pra sair de sunga; chegamos a lugar nenhum – sempre tínhamos de voltar pra casa antes de conseguir resolver algo.

Num sábado, lá pelas sete da noite, Josh e eu brincávamos quando um dos colegas de trabalho da minha mãe bateu na porta. Seu nome era Samantha, e lembro bem dela por que a pedi em casamento uns dois anos depois quando fui visitar minha mãe no trabalho. Minha mãe disse que ia ter que sair pra resolver uns problemas que surgiram no serviço e que voltaria umas duas horas depois. O carro dela estava no conserto, e ela teve de ir de carona com Samantha. Concluí que a culpa do problema era de Samantha e a briga no carro que levaria duas horas. Disse que, sob nenhuma circunstância, devíamos sair de casa ou abrir a porta e, quando estava dizendo que ia ligar a toda hora pra saber se estávamos lá, lembrou que o telefone fora cortado por conta de pagamentos atrasados – por isso Samantha chegou de surpresa. Ela me olhou profundamente nos olhos enquanto saía de casa e disse:

-Se comporte.

Era nossa chance. A vimos sair pela rodovia perto e, assim que o carro sumiu de vista, corremos para meu quarto. Larguei a mochila no chão enquanto Josh pegava o mapa.

-Ei, você tem lanterna?

-Não, mas a gente volta bem antes de escurecer.

-Acho que, só de precaução, a gente devia levar uma.

-Minha mãe tem uma, mas não sei onde ela deixa... Pera! – Corri pro armário e puxei uma caixa da prateleira de cima.

-Tem uma lanterna aí? – Josh perguntou.

-Não exatamente....

Abri a caixa e mostrei três sinalizadores que tinha pegado da pilha que minha mãe tinha feito pro Quatro de Julho daquele verão; junto de um isqueiro que consegui roubar dela uns meses antes, tínhamos garantida pelo menos alguma luz caso precisássemos. Isso aconteceu um pouco antes de eu vir a sentir medo do bosque à noite, então não era medo que nos fez procurar uma luz – não completamente. Jogamos tudo na mochila e saímos pela porta de trás, lembrando de trancá-la pra que Boxes não saísse. Tínhamos uma hora e cinquenta minutos.

Corremos pelo bosque tão rápido quanto dava e chegamos na jangada em uns quinze minutes. Estávamos de sunga por baixo das roupas, tiramos nossas camisas e shorts e os largamos em duas pilhas a um metro da margem. Desamarramos a jangada, pegamos nossas coisas, nos mandamos.

Tentamos nos mover rapidamente pra chegar a algum lugar além do que já estava no nosso sempre-crescente mapa, por que não tínhamos tempo a perder com paisagens já catalogadas. Sabíamos que éramos mais devagar na jangada, e que estávamos navegando havia um tempinho depois do ponto denso demais pra seguir andando e não havia onde parar a jangada. Isso significava que teríamos que seguir com a jangada até o ponto original mesmo que achássemos outro lugar pra estacionar.

Depois de ultrapassar os limites de nosso mapa, a água começou a ficar funda de verdade e não conseguimos mais alcançar o fundo com os galhos de árvore. Deitamos de bruços e remamos com as mãos. Estava ficando mais escuro e mais difícil de distinguir o caminho. Estávamos ficando nervosos. Na tentativa de ir rápido, batíamos as mãos rápido e causávamos muito barulho quebrando a tensão superficial da água. A todo momento, ouvíamos o barulho de folhas amassadas e galhos pisados do nosso lado. Quando parávamos de remar e ficávamos quietos, o barulho diminuía ao ponto de nos fazer pensar se realmente tínhamos ouvido algo. Não tínhamos ideia de que animais viviam tão longe no bosque e nem queríamos descobrir.

Enquanto Josh olhava o mapa com a ajuda do meu isqueiro, de repente nos demos conta de que não tínhamos imaginado os barulhos. De forma rápida e ritmada, escutamos. Pisão, amasso, pisão. Parecia estar um pouco distante, indo pelas árvores além de onde chegamos com o mapa. Estava escuro demais pra ver. Não pensamos quanto tempo o sol ia durar.

Com medo, gritei:

-Olá?

E houve um momento de tensão enquanto permanecíamos estáticos na água. O silêncio foi quebrado por uma gargalhada.

-Oiiii? – Josh riu.

-Que foi?

-Olá, Sr. Monstro-Do-Bosque. Eu sei que você tá se escondendo por aí, mas quem sabe você não responde meu olá? Oláááááá!

Percebi o quão estúpido era. Qualquer animal que fosse, não ia responder. Nem percebi o que tinha dito, mas se houvesse algo ali de verdade, obviamente não ia responder. Josh continuou.

-Oiiiii – Num falsetto alto.

-Oi. – Respondi, no barítono mais grave que consegui

-Oi aê, colega!

-O-lá. Bip, bip.

-Oiiiiiiiiiiiiii-IIIIIIIIIIIIII-iiiiiii!

Continuamos a rir da cara do outro. Estávamos virando a jangada pra voltar quando escutamos:

-Oi.

Um sussurro forçado, como se saísse do último suspiro de um par de pulmões moribundos, mas não soava doente. Saiu de um ponto além do mapa, atrás de nós já que viramos a jangada em outra direção. Lentamente, voltei com a jangada em direção ao som, acendendo um sinalizador. Queria ver.

-O que você tá fazendo?! – Josh surtou. Acendi o sinalizador. As faíscas se misturavam à água enquanto o erguia em direção ao céu. Nunca tinha atirado um desses e pensei só em usá-los como via nos filmes. Um orbe verde e brilhante saiu da ponta em direção às estrelas e sumiu, rapidamente. Abaixei o braço, mirando o horizonte. Lembro que era de várias cores, mas não lembro quantas vezes atirei antes de esgotar a pólvora. Outra bola de luz seguiu em direção às árvores mas, ainda assim, vi nada.

-Vamos embora, cara! – Josh me pressionou, olhando o caminho de volta e me cutucando desesperadamente.

-Só mais um...

Abaixando o braço mais um pouco, atirei outra bola vermelha do tubo. Voou direto pra frente até bater em uma árvore, aumentando o diâmetro de leve enquanto se desfazia.

Nada.

Larguei os fogos na água e vi outra bola de luz se soltar e apagar logo depois, engolida pela água. Quando começamos a remar de volta pra casa, ouvimos um farfalhar alto e desesperador na mata. Galhos quebrando e folhas amassadas engoliram o som de nossas batidas.

O que quer que fosse, corria.

Em pânico, batemos as mãos violentamente e senti a corda embaixo do meu peito arrebentar.

-Josh, devagar!

Mas foi tarde demais. A jangada quebrava. Logo se desfez completamente. Nos agarramos cada um a um cano solto, mas estes não eram grandes o suficiente pra nos sustentar acima da água. Nossas pernas pendiam embaixo da água fria.

-Josh, anda! – Gritei ao apontar pra água ao redor dele.

Ele tentou, mas estava frio demais pra se mexer e nós dois vimos o mapa ir embora.

-Tá f-f-f-frio, cara! –Josh tremeu, desesperado – Vamos sair d’água!

Nos aproximamos da margem, mas cada vez que tentávamos sair do lago, ouvíamos o barulho enlouquecedor vindo em nossa direção. Ficamos fracos e com frio demais pra tentar.

Com dificuldade, saímos de lá e nos vimos de novo perto de onde tínhamos estacionado a jangada. Saímos da água e tentamos salvar o resto da jangada, mas o cano do Josh escapuliu e voltou pro lago. Tiramos as sungas, desesperados pra vestir roupas secas e nos proteger do vento frio. Pus os shorts e notei algo errado. Me virei pro Josh.

-Cadê minha camisa, cara?

Ele deu de ombros e sugeriu:

-Talvez tenha caído na água e sumiu no lago.

Disse pro Josh voltar pra minha casa e falar que tínhamos ido brincar de esconde-esconde se minha mãe tivesse chegado. Tinha que tentar achar a camisa.

Corri pra detrás das casas e procurei por cima da água pela margem. Me ocorreu que, com sorte, talvez pudesse achar o mapa também. Estava indo rápido por que precisava ir pra casa logo e desistindo quando fui interrompido pelo som atrás de mim.

-Olá.

Pulei de susto. Era Dona Maggie. Nunca a vi de noite e, à luz fraca, parecia frágil demais. O calor que normalmente emanava parecia destruído pelo frio. Não lembrava de tê-la visto sem sorrir, sua cara parecia estranha.

-Oi, Dona Maggie.

-Ah, Oi Chris! – O calor e o sorriso retornaram, mesmo que sua memória falhasse – Não conseguia te ver por que tá escuro aqui.

De brincadeira, perguntei se ia me convidar pra lanchar, mas ela respondeu que uma outra hora; estava ocupado demais procurando meu mapa e a camisa pra questionar e ela parecia feliz. Não me senti mal. Ela disse uma ou outra coisa depois, mas estava distraído demais pra prestar atenção. Disse boa noite e corri em direção a minha casa. Atrás de mim, ouvi seus passos no quintal congelado, mas não virei pra acenar. Tinha que chegar em casa.

Cheguei uns dois minutos antes da minha mãe e, quando ela entrou, eu e Josh já tínhamos trocado de roupa e nos aquecido. Nos livramos de uma, mesmo perdendo o mapa.

-Não conseguiu achar?

-Não, mas vi a Donna Maggie. Ela me chamou de Chris de novo. To falando, fica feliz de não ter visto ela à noite.

Rimos e ele perguntou se eu fui convidado pra lanchar, dizendo que o lanche deve ser realmente ruim por que ninguém aceitava ele. Disse que ela não convidou e ele se surpreendeu e, depois de parar pra pensar, eu também. Toda vez que a víamos, ela nos convidava e, agora, mesmo que ironicamente, eu me convidei e fui recusado.

Enquanto Josh falava mais, percebe de repente que o isqueiro ainda devia estar no meu bolso e seria um desastre se mamãe o achasse lá. Peguei os shorts do chão e apalpei; senti alguma coisa que não era o isqueiro. Do bolso traseiro, tirei um pedaço de papel dobrado e meu coração parou.

-O mapa? – Pensei – Mas eu vi indo embora – Desdobrando o papel, meu estômago se revirou enquanto eu tentava entender aquilo. Desenhado no papel, dentro de um círculo, havia dois bonequinhos de palito de mãos dadas. Um muito maior que o outro, ambos sem face. O papel fora rasgado e uma parte se perdeu. Havia um número escrito no canto superior direito. Ou 15 ou 16.

Nervosamente, dei o papel a Josh e perguntei se ele, em alguma hora, tinha posto no meu bolso. Ele negou e perguntou por que eu estava daquele jeito. Apontei pro bonequinho menor e pro que estava escrito lá.

Minhas iniciais.

Tentei esquecer e continuei a falar com Josh da Dona Maggie. Tinha culpado nossa ao fato de ela ser doente até pensar melhor nisso tantos anos depois. Pensando bem, o sentimento de tristeza por ela vem, junto de um desespero quando imagino por que ela disse “outra hora”. Eu sabia o que ela disse, mas não entendi naquela noite o que significava. Não entendi suas palavras até semanas depois, quando vi homens de macacões laranja estranhos carregarem pra fora de sua casa o que pensei serem sacos de lixo e nem por que a rua cheirava a cadáver. Também não tinha entendido por que lacraram sua casa e trancaram com painéis de madeira um pouco antes de nos mudarmos. Mas agora entendo

Entendo por que suas palavras foram tão importantes, mesmo que nem eu nem ela tenhamos percebido naquele instante.

Dona Maggie me contou que, naquela noite, Tom voltara pra casa, mas agora sei quem realmente se mudou; do mesmo jeito que sei por que não vi seu corpo ser levado numa maca.

Aqueles sacos não tinham lixo dentro.

continua na parte 5...

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