quinta-feira, 26 de junho de 2014

PENPAL - Parte 2 - Balões


continuação da creepypasta Penpal , leia antes Penpal parte 1

Uns dias atrás, postei aqui uma história. Vocês fizeram algumas perguntas me que deixaram curioso com certos detalhes da minha infância, então fui falar com minha mãe. Incomodada com o que perguntei, ela disse:
-Por que não conta logo daqueles malditos balões, se eles estão mesmo tão interessados?
Assim que ela falou isso, lembrei de muitos detalhes da minha infância que havia esquecido. Essa história agora vai prover um contexto maior pra história de antes, e eu acho que vocês deviam ler aquela primeiro. Apesar de não ser lá muito importante, ler aquela primeiro vai ajudar vocês a se pôr em meu lugar mais facilmente, já que lembrei daquilo antes. Se tiverem qualquer dúvida, sintam-se livres pra perguntar e eu tentarei responder a todas. Aliás, ambas as histórias são bem grandes, encarem. Tenho medo de esquecer detalhes que possam ser importantes.
Quando tinha cinco anos, fui pra um jardim de infância que, me lembro, era bem cabeça dura quanto à importância de se aprender fazendo. Era um desses novos métodos de ensino pensados pra deixar as crianças aprenderam no próprio ritmo, e pra isso a escola encorajava os professores a inventarem tarefas bem criativas. Cada professor tinha o espaço pra criar um tema que duraria até o fim de cada série, e todas as tarefas de matemática, redação e afins, era pensada dentro do tema escolhido. Esses temas era chamados de “grupos”. Tinha o grupo do espaço, do oceano, da terra, e o meu, da comunidade.

No jardim de infância desse país, não dá pra aprender muito além de amarrar os sapatos e dividir suas coisas, a maioria não é muito memorável. Eu só me lembro de ser o melhor em escrever o meu nome corretamente, e do Projeto Balão – era a marca do grupo Vizinhança por que era um jeito bem inteligente de mostrar como vizinhanças funcionavam em seu alicerce.
Provavelmente todo mundo ouviu falar dessa tarefa. Numa sexta feira (Eu lembro de ser sexta por que estava feliz com o projeto e com o fato de ser quase fim de semana) no início do ano, caminhávamos pra dentro da sala de aula de manhã e víamos que lá havia um balões, amarrados com fitas a cada uma das cadeiras. E, em cada mesa, havia uma caneta, canetinha, um pedaço de papel e um envelope. A tarefa era escrever um bilhete, pôr no envelope e grudar no balão, onde também podíamos desenhar se quiséssemos. A maioria das crianças estava brigando pelos balões, por que queriam cores diferentes, mas eu comecei a escrever meu bilhete por que tinha pensado muito nele.  
Todos os bilhetes tinham que seguir um padrão, mas a gente podia inventar um pouco dentro dele. Minha carta era mais ou menos assim:
“Oi!
Você achou meu balão! Meu nome é [...] e eu estudo no Jardim de Infância [...]. Pode ficar com o balão, mas espero que me escreva de volta. Eu gosto de Max Steel, explorar, construir fortes, nadar, e de amigos. Do que você gosta?
Me escreve de volta logo. Aqui tem um dólar pro correio!”
No dólar, escrevi “PARA SELOS” bem na frente. Minha mãe achou que era desnecessário, mas eu achei bem inteligente, então fiz. 
A professora tirou uma foto Polaroid de cada um de nós com nossos balões e nos fez pôr cada uma no envelope, junto com cada bilhete. Também incluíram outra carta que, acho, explicava a natureza da tarefa e agradecimentos sinceros pela participação de volta, ao escrever e mandar fotos de sua cidade ou vizinhança. Essa era a ideia – construir um senso de união sem ter que sair da escola, e manter um contato seguro com outras pessoas; parecia uma ideia tão divertida. 
Em duas semanas as cartas começaram a vir. A maioria tinha fotos de paisagens diferentes, e, a cada vez que as fotos chegavam, a professora pendurava-as num grande mapa que fizemos, mostrando de onde a carta veio e o quão longe o balão viajara. Era uma ideia bem inteligente, por que realmente gostávamos de ir pra escola para ver se tínhamos recebido nossa cartinha. Pelo resto do ano, tínhamos um dia na semana em que podíamos escrever de volta para nosso penpal* ou para o penpal de outro aluno, caso o nosso não tivesse escrito de volta. O meu era um dos últimos a chegar. Um dia, entrei na sala e vi que não havia nada pra mim na mesa, mas, assim que sentei, a professor se aproximou e me deu um envelope. Eu fiquei muito feliz, mas assim que comecei a abrí-lo, ela pôs a mão em cima da minha e disse:

-Por favor, não fica chateado
Não entendi o que ela quis dizer – por que eu ficaria chateado se minha carta chegou?
Inicialmente, fiquei besta de saber que ela tinha olhado o que havia dentro do envelope, mas agora sei que as professores checavam o conteúdo de cada carta pra ver se não tinha nada obceno, mas mesmo assim, como eu poderia ficar chateado? Quando abri o envelope, entendi.
Não havia nenhuma carta.

A única coisa lá dentro era uma foto Polaroid que eu realmente não consegui descobrir o que mostrava. Parecia um pedaço de deserto, muito desfocado pra ser decifrado; parecia que a câmera se mexera na hora de tirar a foto. Não tinha endereço de destinatário, então nem escrever de volta eu podia. Fiquei arrasado. 
O ano letivo continuou e as cartas pararam de vir pra quase todos os alunos. Ora, só dá pra trocar correspondência com um aluno do jardim de infância por pouco tempo. Todo mundo, eu incluso, tinha perdido interesse nas cartas quase que completamente. Até que recebi outro envelope.
Meu ânimo ficou renovado, e me concentrei no fato de que eu ainda recebia cartinhas quando a maioria dos penpals tinha deixado elas de lado. Mas fazia sentido que eu tivesse recebido outra, pois não havia nada além de uma foto mal tirada na primeira. Essa devia ser pra compensar. Mas, de novo, não havia nenhuma carta... só outra foto. 
Essa agora estava melhor, mas ainda assim não entendi. A câmera estava fora de ângulo, pegando o pedaço de um prédio, e o resto da foto estava estragado pelo brilho do sol. 
Por os balões não irem muito longe e por terem sidos todos soltos no mesmo dia, o mapa ficou atulhado. Aí, os alunos que ainda trocavam correspondência podiam levar suas fotos para casa. Meu melhor amigo Josh trouxera pra casa o segundo maior número de fotos no fim do ano – seu penpal era bem prestativo e mandara fotos de toda a cidade vizinha; Josh levou pra casa, no máximo, quatro fotos.
Eu levei quase cinquenta. 
Todos os envelopes eram abertos pela professora, mas, depois de um tempo, parei até de olhar para as fotos. No entando, guardei-as numa gaveta, ao lado da minha coleção de pedras, figurinhas de baseball e de super-heróis (Marvel Metal Cards, pra aqueles que lembram) e mini-capacetes de baseball que eu consegui numa máquina no Winn-Dizie depois de alguns jogos. Com o fim do ano letivo, minha atenção estava voltada pra outras coisas.
Minha mãe me dera uma máquina de raspadinha de natal naquele ano. Josh realmente invejava ela – tanto que seus pais compraram uma um pouco melhor que a minha pra ele de aniversário, no fim do ano. Naquele verão, planejamos uma banquinha pra ganhar dinheiro; achamos que íamos fazer uma fortuna vendendo raspadinhas a um dólar. Josh vivia em outra bairro, mas decidimos vender no meu por que, lá, muita gente cuidava de cortar a grama; os jardins eram maiores e mais bonitos. Durou cinco finais de semanas até que minha mãe nos mandou parar e, só muito tempo depois, entendi o porquê. 
No quinto final de semana, Josh e estávamos contando dinheiro. Por nós dois termos uma maquininha própria, cada um tinha sua pilha de dinheiro que juntávamos em uma só e dividíamos ao meio. Tínhamos um total de dezesseis dólares aquele dia, e, enquanto Josh me dava meu quinto dólar, fui pego de surpresa. 
Aquele dólar tinha escrito “PARA SELOS”. 
Josh percebeu meu choque e perguntou se tinha contado errado. Falei do dólar e ele disse que aquilo era muito legal. Ponderei sobre e concordei. A ideia do dólar ter voltado pra mim depois de ter andado por tantas mãos me deixou extasiado. 
Corri pra dentro pra contar pra minha mãe, mas minha alegria morreu por que ela estava distraída ao telefone. Esse fato fez minha história parecer incompreensível pra ela, que respondeu apenas que era muito maneiro. 
Frustrado, corri de volta pra fora e disse ao Josh que queria mostrar algo pra ele. No meu quarto, abri a gaveta e tirei as fotos de lá. Comecei com a primeira que havia recebido, mas lá pela décima Josh perdera o interesse. Perguntou se podíamos brincar na trincheira (uma trincheira no fim da rua) antes que a mãe chegasse para buscá-lo, e foi o que fizemos. 
Fizemos uma guerra de lama por um tempo, que era interrompida a toda hora por barulhos estranhos no matagal que ficava perto. Havia guaxinins e gatos de rua lá, mas isso agora fazia muito barulho e tentamos adivinhar o que era, tentando assustar um ao outro. Meu último palpite era uma múmia, mas Josh insistia que era um robô por causa do barulho. Antes de ir, ele virou, sério, e me disse:
-Você ouviu, não ouviu? Parecia um robô. Você também ouviu, né?
Eu tinha ouvido sim. Como parecia “mecânico”, concordei que podia ser um robô. Só agora entendo o que era.
Quando voltamos, a mãe do Josh esperava por ele na mesa da cozinha, junto da minha. Josh falou do robô, nossas mães riram e eles foram pra casa. Eu e minha mãe jantamos, e eu fui dormir.  
Não fiquei muito tempo na cama antes de levantar e decidir que, por causa do que acontecera à tarde, eu ia rever os envelopes, que pareciam muito mais interessantes naquele momento. Peguei o primeiro e pus no chão, a foto desfocada do deserto por cima. Fiz o mesmo com o segundo e a foto do prédio e segui com cada foto, até que formasse uma imagem de mais ou menos quinze por trinta centímetro; me ensinaram a ser cuidadoso com minhas coisas, mesmo que não tivessem muito valor. 
As fotos gradualmente fazia mais sentido. Uma árvore com um pássaro, uma placa de trânsito, fios de energia, pessoas entrando num prédio. Até que vi algo que me acertou tão profundamente que consigo, enquanto escrevo, sentir a mesma vertigem, concentrado num único pensamento:
-Por que estou nessa foto?

Nessa foto de pessoas num prédio, vi eu e mamãe, mãos dadas, bem no início da multidão. Estávamos na beiradinha da foto, mas com certeza era a gente. Meus olhos corriam aquelas fotos e eu ficava cada vez mais nervoso. Era um sentimento muito estranho – não de medo. É aquela sensação de ter entrado numa fria. Não sei porquê, mas achei que tinha feito algo de errado. A sensação piorou depois de analisar com calma cada foto, e cada imagem me acertou mais em cheio. 
Eu estava em todas elas. 
Nenhuma de perto. Nenhuma só minha. Mas eu estava em cada uma delas – no lado, na borda, na parte de trás. Algumas traziam só um pedacinho do meu rosto bem no canto, mas sem exceção, eu sempre aparecia. 
Não soube o que fazer. A mente funciona de maneiras engraçadas quando se é criança, mas havia uma grande parte de mim com medo de levar bronca só pelo fato de ainda estar acordado. Por já estar sentindo que tinha feito muita coisa de errado, decidi esperar até a manhã seguinte

O dia seguinte era folga da minha mãe, e ela passou a maior parte da manhã limpando a casa. Vi televisão, acho, e esperei até o que achei uma boa hora pra mostrar as fotos. Quando ela saiu pra buscar cartas na caixa postal, peguei as fotos e distribuí-as pela mesa, esperando por ela. Quando voltou, já estava abrindo correspondência e jogando alguns anúncios na lata de lixo. 
-Mãe, olha isso aqui rapidinho? Essas fotos-
-Só um minuto, amor. Preciso marcar esses dias no calendário.
Depois de um tempinho, ela voltou e parou atrás de mim, perguntando o que eu queria. Podia ouvi-la mexendo em cartas. Eu só conseguia olhar para as fotos de Polaroids e falar sobre elas. Quanto mais eu explicava, e apontava, os sons de “aham”, “ok”, ficavam mais raros, até ela estar completamente atônita. O próximo som que ouvi dela fez parecer que tentava respirar numa sala onde nenhuma molécula de ar restava. Por fim, seus os sons de engasgue foram cortados pelo barulho de correspondência sendo jogado na mesa. Ela correu pro telefone. 
-Mãe, desculpa! Não tinha reparado! Não fica brava comigo!
Com o ouvido grudado ao telephone, ela andava e corria de um lado pro outro, gritando através da linha. Eu mexia, nervoso, no envelope atirado à mesa, ao lado das minhas fotos de Polaroid. Tinha alguma coisa saindo pra fora do envelope. Ansioso e cheio de dedos, puxei aquilo pra fora. 
Era outra foto. 
Pensei de início que uma das minhas fotos tinha acabado dentro daquele envelope no meio da confusão, mas reparei que nunca tinha visto aquela. Pra minha surpresa, era um close meu. Estava no meio de árvores e rindo. Mas não estava sozinho. Josh também estava lá. Aquilo era a gente, no dia anterior.
Comecei a gritar pela minha mãe, mas ela estava distraída no telefone.
-Tô falando com a polícia, amor.
-Por que?! Me desculpa, eu não quis...
Ela me respondeu de um jeito que nunca havia entendido até lembrar agora desses acontecimentos. Pegou o envelope e a foto com o Josh caiu perto das outras. Ela segurou o envelope bem na minha frente, mas eu só podia encará-la, sem entender nada. A cor fugia de seu rosto. Com lágrimas nos olhos, ela disse que teria de chamar a polícia, por que não havia endereço no envelope.

continua na parte 3...

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