terça-feira, 24 de junho de 2014

PENPAL - Parte 1 - passos

 Então galera, hoje começarei a postar a primeira serio do blog, ela é um pouco longa e cheia de segredos, por este motivo ela tem 6 partes, espero que gostem e boa leitura.




Esse relato é tão longo, peço desculpas por isso. Nunca tive de contar essa história tão detalhadamente a ponto de conseguir explicá-la por completo, mas asseguro que é verdadeira e aconteceu quando eu tinha uns seis anos de idade.
Num quarto silencioso, se você deita seu ouvido contra o travesseiro, dá pra ouvir a batida de seu coração. Quando criança, essa batida e esse ritmo soavam como passos num carpete. Acordei muitas noites assustado por que, durante aquele período de vigília antes do sono chegar, escutava esses passos e era tragado de volta à consciência, repentinamente.
Durante toda minha infância, vivi com minha mãe numa vizinhança boa que começava a ser desvalorizada. Gradualmente, gente de menor poder aquisitivo começara a se mudar pra lá, incluindo eu e mamãe.
Nossas coisas couberam num único caminhão e a casa, se bobear, era tão pequena que podia ter sido dobrada e transportada junto. Mas mamãe era muito caprichosa e cuidava bem do lugar.
Havia bastante mato ao redor do bairro, e eu desbravava e explorava um pedacinho novo todo dia. Mas, à noite, as coisas lá ficavam um pouco mais sinistras, assustadoras. Isso, aliado ao fato de haver um espaço enorme e inabitado em baixo de nossa casa, fazia minha imaginação infantil viver povoada de monstros e cenas apavorantes, que enchiam minha mente toda vez que ouvia os passos.
Contei a minha mãe sobre os passos e ela disse que eu estava imaginando coisas. Insisti o suficiente até que ela, usando um conta-gotas, pingasse água em meus ouvidos pra tentar aplacar meus nervos. Eu achava que, mantendo os ouvidos abafados, resolveria o problema. Claro que não adiantou. A despeito de tanto medo e desconforto, a única coisa estranha de verdade que já acontecera, era que, às vezes, eu acordava na cama de baixo do beliche, apesar de ter deitado inicialmente na de cima. Só que isso não era assim tão estranho, já que me lembrava, uma vez ou outra, ter acordado no meio da noite pra fazer xixi, ou pegar água, e acabar deitando na cama de baixo por preguiça – sou filho único, então não importava muito onde me deitava. Acontecia uma ou duas vezes por semana. Só que acordar na cama debaixo nem era tão assustador. Até a noite em que eu não acordei na cama debaixo.
Escutei os passos, mas estava cansado demais pra me deixar acordar. Quando enfim acordei, não foi por causa de medo, mas por sentir frio. Muito frio. Quando abri os olhos, vi estrelas. Estava no meio do mato. Sentei na hora e tentei descobrir o que estava acontecendo. Pensei que estava sonhando, mas tudo parecia estranho, principalmente por estar sentado no meio da grama. Vi uma boia de piscina bem em frente de mim – uma em forma de tubarão, o que só contribuiu pra sensação de estar dormindo e sonhando. No entanto, após um tempo, parecia que eu não iria mesmo acordar, por que não estava dormindo. Levantei pra tentar me localizar, só que não reconheci onde estava. Eu brincava perto de casa, nas árvores, o tempo todo e conhecia bem o terreno. Mas essas não eram as mesmas árvores, então como eu poderia sair? Dei um passo a frente e senti uma dor aguda no pé que me derrubou de volta ao chão Pisei num espinho. À luz da lua, pude ver que havia espinhos em todo lugar.
Olhei a sola do pé, que não estava machucada. Aliás, eu não estava pouco machucado. Não havia um arranhão. Nem tanta sujeira em minhas roupas.

Chorei um pouco e me levantei de novo.

Não sabia pra onde ir, então escolhi uma direção aleatória. Resisti ao impulso de gritar por que não estava seguro de que queria ser encontrado por quem quer que estivesse escondido entre as árvores.
Caminhei pelo o que pareceram horas.
Tentei seguir uma linha reta sem me perder, mas era só uma criança com medo. Não escutava uivos ou gritos, mas uma vez escutei um som que me assustou. Parecia um bebê chorando. Penso agora que talvez fosse apenas um gato, mas, na hora, entrei em pânico. Segui por outras direções pra evitar arbustos e árvores caídas. Também prestava bastante atenção por onde pisava – e não por onde ir - pois meus pés já estavam destruídos. Pouco tempo depois de ouvir o choro, vi algo que me encheu de um desespero surdo que nunca senti antes. Era a boia.
Eu estava a poucos metros de onde havia acordado.
Não era mágica, muito menos uma dobra no espaço-tempo. Eu me perdi. Até aquele momento, pensei mais sobre como sair de dentro do mato do que sobre como eu havia chegado lá em primeiro lugar. Mas estar de volta ao ponto de partida virou minha mente de cabeça pra baixo. Será que corri em círculos ao redor daquele lugar, ou, em algum ponto do percurso, dei meia-volta sem perceber? Como poderia sair? Achava que a estrela do norte era a mais brilhante, então procurei por ela. Segui seu brilho.
Uma hora as coisas começaram a parecer familiares, quando vi a “trincheira” – um buraco na terra onde meus amigos e eu brincávamos de guerra de lama – soube que tinha conseguido sair. Estivera caminhando devagar por que meus pés doíam, mas fiquei tão feliz de estar perto de casa que comecei a correr.
Quando finalmente vi o telhado de casa acima de uma casa vizinha um pouco mais baixa, deixei escapulir algumas lágrimas e corri mais rápido. Só queria chegar em casa. Decidira não dizer nada por que simplesmente não sabia o que dizer. De algum jeito, ia entrar de novo, me lavar e voltar pra cama. Meu coração saltitou quando virei a esquina e vi minha casa por inteiro.
Todas as luzes estavam ligadas.
Sabia que mamãe estava acordada, e sabia que teria que me explicar bastante (ao menos tentar) e não fazia nem ideia de como começar. Diminuí o passo, e até ver sua silhueta por trás das cortinas estava preocupado com o que dizer a ela. Subi os degraus até a entrada e pus as mãos na maçaneta. Antes mesmo de conseguir abrir a porta, braços me agarraram por trás. Gritei tão alto quanto pude. -Mãe! ME AJUDA, POR FAVOR!
A sensação de ser fisicamente arrancado de um momento de alívio gerou correntes de pavor pelo meu corpo que ainda hoje, após tantos anos, são indescritíveis.
A porta de onde me arrancaram foi aberta, e uma ponta de esperança surgiu no meu peito. Mas quem abriu não era minha mãe.
Era um homem enorme. Esperneei e chutei os pontos fracos de quem me segurava enquanto tentava também fugir da figura que se aproximava. Estava com medo, sim, mas também furioso.
-ME DEIXA! CADÊ MINHA MÃE? QUE QUE VOCÊS FIZERAM COM ELA?
Minha garganta doía de tanto gritar. Tentei recuperar o fôlego. Percebi uma voz que não tinha ouvido antes.
-Amor, por favor, se acalma. Sou eu.
Era a voz da minha mãe. O aperto ao meu redor afrouxou e pude ver as roupas dos homens. Eram policiais. Me virei pra encarar o sujeito atrás de mim e vi que quem me agarrara havia sido minha mãe.
Tudo estava bem. Comecei a chorar, e nós três finalmente entramos.
-Estou tão feliz de ver você em casa, amor. Fiquei preocupada de nunca mais te ver – Agora, ela também chorava.
-Me perdoa, eu não sei o que aconteceu. Só queria vir pra casa de novo...
-Tudo bem, só não faça isso de novo. Nunca mais. Não sei aguentaria outros chutes seus...
Uma risada atravessou meu choro, e consegui sorrir.
-Me desculpa por ter chutar, mas por que você me assustou desse jeito?
-Fiquei com medo de você correr de novo.
-Como assim?
-Achamos seu bilhete no travesseiro. – Ela disse, apontando um pedacinho de papel que um dos policiais acabara de me entregar.
Peguei o bilhete e li. Era um bilhete de adeus. Dizia que eu estava infeliz e que nunca mais queria ver ela ou meus amigos e novo. Os policiais trocaram algumas palavras com a minha mãe na varanda, enquanto eu encarava o papel. Não lembrava de ter escrito nada. Não lembrava de nada que havia acontecido. Mas mesmo que eu não lembrasse de me levantar pra ir ao banheiro às vezes, ou de ter ido sozinho pro meio do mato, mesmo que nada disso tenha sido verdade, tudo que sabia era
-Não é assim que se escreve meu nome.... Eu não escrevi essa carta…

continua na parte 2.

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