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sexta-feira, 28 de outubro de 2022

SiIlent Hill 2 ramake anunciado!

 


Acredito que eu nunca tenha mencionado isso para vocês, mas Silent Hill é minha franquia de terror favorito, em especial o 2, quase 10 anos sem nenhuma notícia, apenas rumores, e agora finalmente essa obra prima é anunciada! Eu como um grande entusiasta do horror, e acadêmico de psicologia fico maravilhado com essa notícia, caso vocês não saibam a psicologia reflete muito em Silent Hill 2, em especial a psicanálise, se vocês quiserem eu posso fazer uma postagem apenas sobre isto. 

Durante muito tempo o blog teve trilha sonora, e boa parta dela foi de Silent Hill 2 e 3, tenho certeza de que esse game será fantástico, e com esse rameke viram muitas postagens novas sobre ele para o blog, o game já está disponível para a lista de desejos na Steam, e deve chegar no ano que vem para Ps5 e PC, e depois de 12 meses para as demais plataformas, fiquem com o trailer abaixo, e vou trazendo novidades sobre ele aqui, até a próxima!






domingo, 9 de janeiro de 2022

Room 733 - C.K. Walker




Quarto 733

O quarto do suicídio. Era assim que eles apelidavam o quarto 733 – como se eu já não tivesse muito para me preocupar no primeiro dia –.
Nós tínhamos ficado com o 734 no Reilly, que por falar nisso, não estava na área mais bonita do prédio da ala sul. Não, nós nos encontrávamos na parte mais velha do prédio, mais precisamente no 7º andar.
No entanto, eu não fiquei tão chateada, pelo menos eles aceitaram que eu ficasse junto com a minha melhor amiga.
Lydia e eu ficamos a maior parte da manhã dentro do quarto, quando a supervisora passou por nosso quarto eu estava colocando alguns pôsters na parede e Lydia estava lendo.
“Olá, garotas. Eu sou a Beth!” Piou a garota loira enquanto entrava no nosso quarto. “Vou ser a supervisora de vocês esse ano.”
“Oi.” Fiz que sim com a cabeça para ela.
“Nossa, vocês são bem rápidas.” Ela disse, olhando para nossas camas arrumadas e nossas roupas dobradas. Beth pegou um desenho do Cthulhu* que Lydia havia feito nesse verão e começou a examiná-lo. “Esse é o Kraken, de Piratas do Caribe?”
Lydia a encarou com o livro ainda em mãos. “Ah, então—” Beth continuou “Eu sei que nossa ala não é tão nova quanto a ala sul, mas pode acreditar, tem bastante história aqui. Essa ala tem quase 60 anos.”
“É, dá pra perceber.” Eu disse e passei os olhos no quarto “Os quartos são bem pequenos.”
“Bom... as pessoas eram menores nos anos 50.” Beth deu de ombros.
“Sério?” Lydia disse, mostrando muito pouco interesse.
“Sim, sério.” Beth franziu os lábios e ficou parada lá enquanto o quarto se enchia de silêncio desconfortável.
“Então...” Eu disse, “O último quarto, vizinho ao nosso—733? Não é? Ele parece bem maior que esse... Ele já esta ocupado? Se não tiver talvez a gente possa—”
“Você não vai querer aquele quarto.” Beth interrompeu, “Houveram alguns suicídios lá. Enforcamento e... já saltaram da janela também se eu me lembro bem. Eles não permitem que ninguém pegue aquele quarto... E eu gostaria de lembrar que esse andar é somente para garotas, e garotos não são permitidos depois das 23.”
Antes que pudéssemos responder, Beth deu uma palminha e disse “Bom, foi legal conhecer vocês.” E saiu do quarto.
Lydia derrubou o livro na cama e fitou a parede. “A odeio.”
“Você ouviu o que ela disse?”
“O novo apelido dela é Beth Imbecil.”
“Lydia, estou falando sério. Suicídios?”
“Becca, relaxa. Todo campus tem alguns suicídios.”
“Tá, mas... no mesmo quarto?”
Lydia suspirou. “Quem liga? Não é nosso quarto.”
“É verdade.” Eu me virei para a pequena janela no nosso quarto. “Dá pra imaginar subir até essa janela minúscula e se jogar? Você ficaria viva por no máximo 5 segundos antes de chegar ao chão.”
“Porra, Becca. Dá pra parar?” Lydia passou os olhos na janela e fez uma careta. “Você sabe que eu odeio altura e só de falar disso já aumentou minha pressão.”
“A gente bem que podia pegar o quarto do suicídio” Eu provoquei, “Ele tem uma janela em cada lado.”
“Não fode.”
“Ok, ok. Mas sério, pensa nisso. Seria preciso muito esforço pra sair por essa janelinha.”
“Pois é, mas vale lembrar que as pessoas eram bem menores naquela época.” Lydia murmurou enquanto puxava sua cama para longe da janela.

Lydia era extrovertida e fácil de lidar e isso fez com que conseguíssemos amigos mais rápido do que pensei, nós fomos em um monte de festas nas primeiras semanas e em um delas, Lydia conheceu um cara. Eu a conhecia desde que saí das fraldas então eu dei um palpite de que ela estaria namorando ele até o final de Setembro. O nome dele era Mike e ele não era nada especial; apenas o padrão e fazia parte de uma fraternidade.
Depois de mais ou menos um mês no campus nós diminuímos as festas e focamos mais nos estudos, passando mais fins de semanas no quarto do que fora. As notas do semestre estavam quase saindo e eu pretendia manter uma nota boa no meu primeiro ano.

Uma noite no começo de Outubro eu fui acordada por um rangido alto e insuportável; eu sentei na cama e fiquei tentando ouvir novamente, Lydia também estava acordada e tentando escutar.
SLAM
Mas que porra? Ela murmurou para mim.
Não era fora do normal ouvir barulhos no corredor, até porque muitas pessoas chegavam das festas altas horas da noite. Mas esse som definitivamente estava vindo do quarto ao lado.
GRIND
“Isso é—?”
“Sim—” Ela sussurrou. “É a janela do quarto ao lado.”
Por culpa da insistência de Lydia a nossa janela havia ficado fechada desde sempre. No entanto, não tinha como dizer que não era a janela do quarto 733 abrindo e fechando pausadamente.
SLAM
“Quem está lá?”
Lydia deu de ombros.
“Será que tem alguém tentando assustar a gente? Tipo alguma iniciação ou brincadeira?”
Lydia levantou uma sobrancelha. “Iniciação pra que?”
“Eu sei lá, universidade? Talvez estejam brincando com os calouros?”
GRIND (Abriu novamente)
“E quem estaria brincando com os calouros?”
Eu dei de ombros.
SLAM (fechou)
“Becca, eu te amo, mas isso foi estúpido.”
Eu joguei uma almofada nela. “Seja quem for, vai pedir pra eles pararem.”
“Eu? Eu não vou arriscar ser jogada da janela!”
GRIND
“Eu sei que eu não vou...”
“Eu estudo artes e você, ciências políticas, então você vai lá e manda eles pararem!”
“Não fode.”
“Então chama a Beth Imbecil, não é ela que tem que lidar com essa porcaria sem sentido?”
SLAM
“Eu não vou chamar ela, não joga isso pra cima de mim.”
“Então tá,” Lydia sussurrou de forma mais alta “a gente vai ter que ignorar.”
“Eu tenho aula ás 07:30.” Eu sussurrei.
GRIND
“Então faz alguma coisa.”
“Ugh!” Eu levantei da cama e abri a porta com força e dramaticamente e comecei a andar em direção ao quarto 733 onde havia um pequeno aviso que simplesmente dizia “Quarto de Suprimentos”.
“Tem gente tentando dormir, para com essa merda!” Eu disse e não recebi resposta.
SLAM
“Cara é sério...” Eu tentei abrir a porta e imediatamente percebi o problema, o quarto 733 estava trancado por fora. Eu soltei a maçaneta e praticamente corri para o meu quarto.
“O que aconteceu?” Lydia perguntou.
“Eu não vou nem passar perto daquela merda de quarto de novo. Está trancado por fora, eu não sei como alguém conseguiria entrar lá.”
“Então você está dizendo que tem um fantasma lá?” Lydia sorriu.
“Não, eu estou falando que tem uma porcaria assustadora acontecendo naquele quarto que por acaso é chamado de ‘quarto do suicídio’”
Lydia suspirou e rolou na cama para tentar dormir. “Você deveria estudar drama.”


Nós não ouvimos a janela naquela noite novamente e na manhã seguinte estava claramente visível que as janelas do quarto estavam completamente abertas.
Eu observei as janelas durante uma semana e elas continuaram abertas.
Durante as noites, eu achei ter escutado várias vezes objetos rolando no chão.
Lydia nunca acordava com esses barulhos, então eu não dizia nada a ela.
Durante uma tarde eu estava sozinha editando algumas notas no notebook, eu estava usando fones, mas a música não estava alta o suficiente para me impedir de escutar o barulho de alguém batendo na porta.
“Entra.” Eu disse sem tirar os olhos da tela. Um momento se passou e eu ouvi novamente a batida, tirei meus fones e fechei o notebook.
“Pode entr—” Eu comecei, virando para olhar.
Que merda. A porta estava completamente aberta, e eu havia deixado aberta de propósito já que Ian (Um garoto que eu estava ficando) ia passar por lá. Eu ouvi a batida novamente, atrás de mim e eu literalmente pulei da cadeira.
Dessa vez estava vindo do outro lado da parede – o closet. O closet que ficava na parede dividida com o quarto 733.
“Lydia, isso não tem graça.”
Nada.
“Lydia, eu juro por deus eu vou socar sua cara.”
Silencio.
Eu andei até o closet e segurei a maçaneta. “Lydia, você é uma completa—”
“Completa o que?” Ouvi a voz dela vindo do corredor – atrás de mim. Eu soltei a maçaneta e dei passos para trás, meus olhos estavam arregalados. Lydia jogou as coisas dela na cama e virou para mim, cruzando os braços.
“Uma completa o que?”
“Eu—eu achei que você estava se escondendo no closet.” Eu disse.
“O que? Por quê?”
“Porque alguém estava batendo na porta.”
“Meu Deus, Becca.” Lydia disse, passando uma mão na testa e indo em direção ao closet, abrindo as portas logo em seguida. Não havia nada lá além de roupas e caixas. Ela estendeu um braço para o closet como se estivesse dizendo “Viu?”
“Eu juro—”
“Becca, não tem nada aqui.”
“Eu sei o que eu ouvi.”
Nós ficamos uma fitando a outra até que nossa pequena discussão foi interrompida pela chegada de Ian. Ele imediatamente sentiu a tensão no quarto.
“Oi, moças... quais são as novidades?”
Eu continuei fitando Lydia de uma maneira não muito amigável. “Tem alguma merda acontecendo no quarto vizinho, mas isso não é novidade.”
“Qual? O 735 ou o vazio?”
“O vazio.” Lydia falou enfatizando a palavra‘vazio’.
“733... Bom, eu não estou surpreso, é o quarto do suicídio.”
“É, nós ouvimos falar sobre as mortes.” Eu sentei na cama.
“É bastante esquisito, três suicídios em apenas um quarto.”
“Três?” Lydia disse, franzindo o cenho. “Nos disseram que foram dois.”
“Bom, teve um casal nos anos 70 e depois um cara... uns 10 anos depois. Ele pulou da janela.”
Eu e Lydia nos olhamos, assustadas, e mesmo sabendo que era ela que tinha medo de altura, eu não conseguia imaginar uma morte pior do que essa.
“Eu admito que três suicídios no mesmo quarto seja perturbador.” Ela disse, num tom mais calmo, como se estivesse pedindo desculpa.
“Eu ouvi que tem algo lá.” Ian disse.
“Tipo o que?”
“Ninguém sabe, mas todo ano alguém aparece com uma teoria nova, geralmente perto do Halloween alguma coisa é publicada no jornal do campus—mas seja o que for eu não acho que seja amigável.”
“Mais alguém já se matou em outro quarto?”
“Não, só o 733. Eu fiquei surpreso quando ouvi que iam abrir a ala norte esse ano.”
“Eles nos disseram que essa era a maior turma de calouros em 20 anos.”
“É, eu ouvi isso também. Vocês podem sempre pedir uma mudança de quarto.” Ian disse, sentando na cama e eu me apoiei nos ombros dele.
“Eles não iam nos deixar juntas novamente.” Lydia interrompeu. “Becca e eu somos melhores amigas desde pequenas, nós não vamos dividir quarto com outras pessoas.”
“Então a gente vai continuar aqui, vivendo do lado de Satã?” Eu fitei a porta novamente e Lydia deu de ombros. “Pelo menos vamos ter algo pra contar depois que nos formarmos.”
“Esses não são os tipos de história que quero contar.”

Alguns dias depois, Lydia começou a acreditar na minha história do closet. Eu acordei no meio da noite com o som de alguém sussurrando, olhei para Lydia e ela já estava olhando de volta, com olhos arregalados.
Ela levou um dedo aos lábios lentamente.
Eu ouvi calmamente, tentando entender o que a voz estava dizendo e de onde estava vindo, mas eu não conseguia entender uma palavra sequer. Eu levantei da cama na ponta dos pés e fui para a cama de Lydia.
Os sussurros estavam definitivamente mais altos lá, provavelmente porque a parede dela era a mesma do 733. Eu tentei escutar novamente.
Nunca......pega....bocas....dos idiotas.....
Mas que porra? Lydia encostou a orelha na parede e os suspiros simplesmente sumiram e eu encostei-me à parede logo em seguida. De repente, ouvimos um alto “bang” do outro lado, o que fez com que Lydia tirasse o ouvido da parede e choramingasse de dor, colocando uma mão no ouvido.
Alguém estava lá.
Com mais raiva do que medo eu abri a porta do quarto e fui em direção ao 733, batendo meus punhos com força na porta, não me importando se alguém iria acordar ou não.
“Você tá’ de brincadeira?” Eu gritei para a porta. “Essa merda não tem mais graça. Sai desse quarto, seu otário.”
Silencio.
E então a maçaneta começou a girar.
Eu não sei o que eu esperava, mas com certeza não era aquilo, eu me afastei tão rápido da porta que me bati na parede em frente. Assim que a maçaneta foi girada por completo, a porta começou a abrir, um rangido insuportável começou, mas a porta não foi totalmente aberta, pois a fechadura não permitiu.
Eu segurei a respiração até que a pressão na maçaneta sumiu e ela voltou á posição normal.
Eu percebi que Lydia estava olhando do nosso quarto e suspendeu as mãos como se perguntasse “o que aconteceu?”
“Alguém se acha muito engraçado.” Eu respondi em voz alta, ela balançou a cabeça e voltou para dentro do quarto.
Eu ajoelhei e apoiei minha cabeça no chão, tentando ver por debaixo da porta, foi a primeira vez que vi o quarto por dentro.
O quarto 733 era definitivamente um quarto de suprimentos. Havia cadeiras encostadas na parede e cabeceiras de camas por todos os lados, alguns colchões estavam empilhados perto de uma das janelas e uma grande camada de pó cobria tudo que lá estava. As janelas eram absurdamente grandes e ninguém poderia notar isso se apenas olhasse para o prédio de longe.
Elas estavam abertas como sempre e eu poderia imaginar perfeitamente uma pessoa subindo e entrando no quarto de fora para dentro.
Mas o quarto não parecia que tinha sido mexido em algumas décadas, o que me fez sentir um frio na espinha.
A luz da lua, que por sinal era a única coisa me ajudando a enxergar dentro do quarto, simplesmente sumiu e a única coisa que eu conseguia ver era escuridão. Eu pisquei rapidamente antes que meus olhos começassem a doer e um momento depois, fechei eles novamente, apertando-os. Quando o abri novamente havia um grande olho amarelo me encarando de volta, apenas alguns centímetros distantes de mim do outro lado da porta.
Eu gritei e acordei metade do dormitório.
Não havia como negar que algo estava escalando a parede.

Na manhã seguinte, Lydia e eu deixamos os pedidos para mudança de quarto na direção e esperamos pelo melhor, e enquanto isso, nós duas combinamos de não dormir ou ficar nos dormitórios sozinhas, principalmente à noite. Nós começamos a passar a maioria das noites com nossos namorados.
Eu contei a Ian o que havia acontecido e ele sugeriu que eu falasse com a Sociedade Paranormal do campus. Eu marquei um horário, e nós (eu e Lydia) nos encontramos um garoto chamado Craig e quatro de seus “companheiros” na Terça seguinte.
Nós contamos tudo pra ele, do menor ao maior incidente, não importa quão pequeno parecesse. Craig e seus companheiros ficaram escutando e anotando coisas por quase 30 minutos, só falaram algo depois que nós terminamos.
“Isso é tudo?” Craig perguntou.
“Sim.” Eu disse, calmamente.
“Vocês se importariam de esperar lá fora? Eu gostaria de discutir algumas coisas com meus companheiros.”
“Não.” Lydia sorriu e levantou. “Qualquer coisa.”
A porta mal tinha fechado atrás de nós e Lydia rolou os olhos e falou: “Vamos embora.”
“Para onde?”
“Você está falando sério?”
“Lydia, qual é?! Nós precisamos de ajuda, eu estou pirando. A gente não ficou uma noite sequer no nosso dormitório desde o que aconteceu, isso não é algo que a gente simplesmente esquece.”
“Tá.” Ela levantou as mãos. “Vamos ouvir o que eles têm a dizer e depois verificar o que fizeram em relação aos nossos pedidos dos quartos.”
Nós ficamos no corredor durante uns 15 minutos e Craig apareceu na porta, engolindo em seco e deu seu diagnostico.
“Vocês estão lidando com um fantasma muito raivoso, moças.”
“Essa é sua opinião profissional, Craig?” Lydia disse e eu a fitei.
“Sim, um espírito—”
“Um espírito?” Eu perguntei, duvidando muito que era aquilo que estava lá.
“Sim.” Respondeu um dos amigos de Craig. “Isso significa fantasma, para os leigos.”
“Pelo amor de Deus!” Lydia falou e massageou as têmporas.
Confundindo a frustração de Lydia com desespero, Craig se apressou na resposta: “Vocês não precisam ficar com medo, nós vamos tomar conta de vocês. É verdade que espíritos podem ser uma dor de cabeça se as pessoas não sabem lidar com ele, e é bom que vocês tenham vindo á nós. Suicídios quase sempre resultam em espíritos raivosos, eles precisam se vingar.”
“De quem?” Eu perguntei.
“Outros estudantes, talvez esse espírito tenha sido incomodado de uma maneira exagerada, o que pode ter feito com ele tirasse a própria vida e agora ele atormenta os outros.”
“Escuta—”
“Nós podemos tomar conta disso pra vocês agora mesmo, tudo que pedimos é uma contribuição para a nossa sociedade,” Craig continuou. “Nós não tínhamos ideia de que havia tanta atividade assim no quarto, é realmente muito interessante.”
“Ótimo, bom... Obrigada pelo seu tempo.” Lydia disse enquanto agarrava minha mão e me puxava pra fora.
“Vocês querem marcar algo para esse fim de semana?” Craig perguntou.
“A gente te liga!” Lydia disse puxando minha mão ainda mais e me jogou olhares, nós não falamos nada até alcançarmos o prédio da administração.
“Aquilo foi uma perda de tempo.” Ela disse.
“Olha, eu não discordo de você, mas—”
“Becca, não me diz que você acreditou naquilo?”
“Então você não acha que seja um—” Eu estava tendo problemas em dizer a palavra, soava ridículo. “...fantasma?”
“Eu não sei, mas eles também não! Aquele cara não fazia idéia do que ele estava falando.” Abaixei o capuz do casaco enquanto nós entravamos na administração do campus. “Deixa eu te explicar, eles tão brincando de Ghostbusters e nós estamos vivendo na porcaria do O Exorcista.”
“Tá,” Eu suspirei. “E o que você quer fazer? Dormir no Mike e no Ian até recebermos outros quartos?”
“Eu só quero que isso acabe.” Lydia disse, cruzando os braços e olhando pra frente. Nós duas queríamos que isso acabasse, se pegássemos um quarto longe daquele não seria mais tão assustador, mas ainda assim seria um incomodo.
“Ok, bom, provavelmente nós estamos salvas durante a luz do dia então é só não passar as noites lá que estamos bem. Não é como se o fantasma estivesse lá dentro, e nossos pedidos devem sair logo.” Eu chequei meu relógio. “Merda, são quase 14:00!”
“Nossa, sério? Eu tenho que ir, Mike foi aceito na Sigma Chi e a iniciação dele é hoje.”
A garota na mesa acenou para nós, e eu nem havia percebido que já estava na nossa vez até aquele momento. “Me diz o que eles decidiram depois,” Lydia disse enquanto corria para a porta, a garota na mesa me olhava suspeita enquanto eu me aproximava. “Oi, eu sou—”
“Você é a garota tentando sair do 734, não é?” Ela me pegou de surpresa. “Sim, uma delas. Como você sabe?”
“Desculpe, eu ouvi sua conversa. Eu vi também seu pedido de mudança alguns dias atrás, e eu preciso perguntar, qual o motivo da transferência, exatamente?”
Eu estava cansada... Exausta na verdade. Não estava com cabeça pra pensar numa mentira.
“Porque tem umas merdas acontecendo no quarto vizinho e está nos assustando, barulhos, sussurros, batidas e na última noite eu vi alguém.”
“Você viu alguém?”
“Sim.”
“No quarto 733?”
“Sim, eu olhei por baixo da porta. Tinha definitivamente alguém lá.”
A garota me fitou por um momento e então acenou com a cabeça sem motivo algum. “Bem, seus quartos ainda não estão prontos, mas eu fiz com que eles se tornassem prioridade, por enquanto você está sem saída. Não tenho onde colocar você agora.”
Eu suspirei, já imaginava.
“Eu sou a Alice,” ela continuou “e, olha, eu já fiz muitas pesquisas sobre os suicídios no 733 e eu acho que posso ajudar, ou pelo menos tentar te dar outra perspectiva.”
“Sério?” Eu perguntei hesitante.
“Sim. Eu estou no Taylor Hall, quarto 310. Eu vou sair do trabalho ás 16:00 hoje.”
“Obrigada, nós acabamos de sair da Sociedade Paranormal do campus.”
“Ok, não precisa falar mais nada.” Ela disse, rolando os olhos.
“Hum, então eu vejo você ás 16:00?”
“Ótimo.”


Eu cheguei mais cedo no dormitório da Alice, e ela já estava lá. Eu contei nossa história pela segunda vez naquele dia e Alice não teve medo de interromper com algumas perguntas, ela estava interessada. Quando eu acabei ela encostou na cadeira e suspirou profundamente.
“Não posso acreditar,” Ela fez que não com a cabeça. “Eu sempre ouvi rumores, mas honestamente? Sempre duvidei que fosse verdade.”
“Eu posso jurar que tudo que lhe contei é verdade.”
“E como é agora? Quando você está lá?”
“Nós não ficamos lá durante a noite, mas durante o dia escutamos arranhões nas paredes, alguns sussurros baixinhos e ás vezes nós ainda escutamos as janelas abrindo e fechando. Em plena luz do dia, mas toda vez que eu olho as janelas ainda estão abertas.”
Alice fez que sim com a cabeça. “Bom, eu não acho que você esteja em perigo, mesmo sabendo que incomoda, é simplesmente acaso, poderia acontecer com qualquer outra pessoa. Vocês só precisam ficar fora do quarto 733.”
Eu bufei. “Você está brincando? Eu nunca entraria lá.”
“Eu acredito que você acredite nisso, mas seja o que for isso, é manipulador, inteligente e mentiroso. E é mais esperto que você.”
“Estou tentando não ficar ofendida com isso.”
“Não fique, eu não quis ofender.”
“O que você acha que é?”
“Algo muito antigo e muito maldoso.”
Eu analisei a resposta e deixei meus olhos passearem pelo quarto dela pela primeira vez desde que entrei, eu não havia notado a decoração antes, mas observando melhor dava pra perceber que ela tinha muito interesse no oculto.
“Eu não consigo imaginar nenhum tipo de situação que me colocaria naquele quarto.”
“Eu sei, mas você tem que estar preparada que em algum momento você terá que tomar uma decisão sobre entrar ou não naquele quarto. Afinal, com o que você está lidando? Já matou 5 pessoas.”
“5? Eu achei que fossem 3!”
“Bom, nem todo mundo fez o tipo de pesquisa que eu fiz. Vamos ver, teve Ellen Burnham em 1961 – ela pulou da janela e foi a primeira de todos. E então, Tad Collinsworth em 1968 – ele pulou também. Marissa Grigg, em 1975, ela se enforcou. Erin Murphy, em 1979 – saltou da janela. E finalmente Erik Dousten, em 1992 – se enforcou.”
“Cinco suicídios? Como ainda existem alunos morando naquele quarto?”
“Não existem, aparentemente é um quarto de suprimentos.”
“E antes?”
“Os que sabiam se graduaram e os novatos não sabiam de nada, a internet não era o que é hoje, então eles chegavam aqui sem saber de nada sobre isso... Até a última morte, Erik Dousten – foi aí que eles fecharam a ala norte e construíram a ala sul.”
“Então o que ele quer?”
Alice deu de ombros. “Caos, mortes, almas... Quem sabe? Ninguém nunca soube o que é.”
“E o que nós sabemos?”
“Bom, nós sabemos que tem uma conexão com o quarto e pouca influencia fora dele, sabemos que os que morreram estavam sozinhos e sabemos que ele é esperto. Só isso.”
Não era suficiente. “Você tem um palpite do por quê?”
“As vítimas?”
Eu fiz que sim com a cabeça.
“Tudo que eu sei é o que está nos arquivos de evidencia, todos os suicídios foram encontrados com fotos e imagens que naquela época eram ilegíveis. Elas continham coisas horríveis e diabólicas que provavelmente fariam você se sentir mal só pela leitura.”
“E foram essas pessoas que desenharam e escreveram isso?”
“Aham, seja o que for que esteja lá, os deixou malucos.”
“Isso é assustador.”
“Vocês já consideraram chamar alguém para benzer o lugar?”
“Meu Deus, o que?”
“Bom, talvez vocês demorem pra pegá-lo, mas quem sabe... com ajuda de alguém da igreja.”
“Você está falando sobre um exorcismo.” Alice deu de ombros novamente, “Talvez. O rumor nos anos 70 foi que tudo começou com uma partida de Ouija que deu errado em 1961.”
“Sério? Aquela merda é feita pela Hasbro.”
“Não nos anos 60... Mas de qualquer forma é apenas um rumor. A única pessoa que saberia disso é o Tom Moen, da administração. Eu tentei falar com ele, mas ele se recusa a me ver.”
“Ele estava aqui em 1961?”
“Sim, e ele estava no seu prédio.”
“Nós precisamos falar com ele, precisamos saber o que diabos está acontecendo ou eu não conseguirei viver o resto da minha vida como uma pessoa normal.”
“Nós podemos tentar achar ele no campus.”
“Podemos falar com ele amanhã?”
“Podemos tentar.”


Sr. Moen não nos viu nem naquele dia e muito menos no próximo. Nós tentamos falar com ele na hora do almoço e novamente quando ele estava saindo do trabalho... Estava claro que o velho nos evitava.
Lydia e eu não nos vimos muito depois que decidimos continuar dormindo em outros dormitórios. Eu ia ao meu quarto duas vezes no dia – uma vez de manhã e outra de tarde. O quarto geralmente estava silencioso, mas isso não fazia eu me sentir melhor. Eu sempre sentia algo errado do outro lado da parede, algo me observando. Parecia a calma antes da tempestade.
Na Quinta-Feira antes do Halloween eu fui ao dormitório tomar banho, um pouco mais tarde do que o normal, mas ainda assim não era noite. Eu tinha visto Lydia mais cedo e ela me disse que tinha muitas roupas no outro dormitório então eu sabia que não a veria essa noite.
Eu tomei banho no final do corredor e fui para o meu quarto trocar de roupa. Eu ia encontrar o Ian e ir para uma festa, então eu só queria dar o fora o mais rápido possível.
O silêncio também estava me deixando nervosa então eu liguei meu Ipod e AC/DC começou a tocar.
Eu me vesti e fiquei na frente do espelho secando meu cabelo, eu abaixei minha cabeça por um momento e comecei a correr meus dedos nos fios do meu cabelo, tentando dar algum volume. Assim que eu olhei para o espelho novamente percebi que a música já não tocava mais.
Mas isso não foi a única coisa que eu percebi.
Não era mais o meu quarto, atrás de mim estavam as cabeceiras das camas enferrujadas e empoeiradas e as enormes janelas do 733. Eu olhei pra trás em pânico e percebi que eu realmente estava no meu próprio quarto.
Olhei para o espelho novamente e vi o 733ainda refletido lá, fiquei paralisada por um momento pensando no que fazer, mas um pequeno movimento perto de mim foi o que me fez correr.
Eu agarrei minha bolsa e o celular e sai do meu quarto batendo a porta atrás de mim, assim que o elevador chegou, eu liguei para Alice.
“Não posso fazer mais isso,” Eu disse assim que ela atendeu. “Não posso voltar naquele quarto outra vez, nunca mais.”
“O que aconteceu?”
Eu contei a ela.
“O que você quer fazer?” Ela perguntou.
“Eu preciso falar com alguém que saiba o que está acontecendo, Tom Moen é o único que estava aqui em 1961?”
“Que eu saiba o único, talvez a gente consiga falar com ele amanhã pela manhã? Nós vamos encurralá-lo e não vamos sair de lá até eles nos contar algo. Ele sempre chega ás 6:30, você quer me encontrar na frente do Starbucks no Atrium?”
“Quero! Eu tenho aula ás 7:30 mas eu vou filar.”
“Ok, vejo você lá.”

Eu nunca gostei muito de festas, mas eu estava feliz que fui pra uma, assim que chegamos lá pedi a Ian uma bebida. Eu não sou muito de beber e ele me deu o copo com as duas sobrancelhas erguidas.
Eu expliquei o que havia acontecido brevemente pra ele, esperando que ele não me chamasse de louca.
Ian me deu uísque e coca, apenas a primeira dose de muitas.
Eu saí da casa pra fumar e olhei meu celular, tinha uma mensagem de voz da Lydia, deixada ás 23h04min.
“Oi, becca. Escute, eu só... ugh. Eu tive uma briga com o Mike. E ele, quer dizer, eu acho que a fraternidade dele decidiu que todos os calouros têm que passar a noite no quarto do suicídio, no nosso dormitório, eu simplesmente não entendo... Ele sabe o que têm acontecido conosco e ele ainda assim aceitou isso. Ele agora quer me convencer de que Sigma Chi está por trás disso tudo que vem acontecendo no 733 porque eles já vem preparando todos para a brincadeira de Halloween. Eu não—”
Eu finalizei a gravação e botei meu celular na bolsa, era compreensível que a Lydia estivesse puta, isso não era bom. Não mesmo.
Eu achei Ian e pedi que me levasse pra casa, eu estava muito estressada, muito cansada e muito bêbada.

Quando o alarme tocou ás 06:00 eu tive que usar todas as forças do meu corpo pra sair da cama. Eu me vesti com as mesmas roupas que usei na noite passada e atravessei o campus em direção ao Atrium.
Alice já estava lá me esperando com um copo de café preto nas mãos, “Achei que você fosse precisar disso.” Ela sorriu.
“Como você sabe?”
“Suas mensagens.”
“Eu mandei mensagem pra você ontem?”
“Sim, ás 01:00,você me contou sobre Sigma Chi.”
“Ai, meu Deus. Sim...” Eu tirei os óculos.
“Aqueles caras são uns idiotas! Lembra quando eu te disse que aquilo era esperto? E se o motivo de estiver mexendo com você era fazer o quarto ficar provocativo, entende? Pra seduzir a pessoas e fazer com que elas entrem. Ninguém entra lá há anos, você pode imaginar o quão desesperado aquilo está?”
“Você acha mesmo que eles estão correndo risco?” Eu perguntei e sentei no meio-fio do prédio.
“Sim... na verdade a única coisa a favor deles é que todas as outras vítimas estavam sozinhas na hora que morreram.”
“Então fica menos poderoso quando tem mais gente?”
“Teoricamente. Nós saberíamos muito mais se tivéssemos uma idéia do que é, e nós não podemos saber o que é sem saber como chegou lá, e é por isso que precisamos do Moen.”
“Que horas ele chega?”
“Na verdade, 20 minutos atrás.” Alice disse com um sorriso nos lábios.
Levamos 1 hora e meia pra perceber que o Sr. Moen havia nos evitado novamente, nós fomos ao escritório e imploramos por uma visita com ele de qualquer jeito.

A mulher na recepção nos recebeu friamente. “Tom não está vindo hoje, nem algum outro dia. Ele pediu demissão ontem, parece que vocês não irão incomodá-lo mais.”
“Não estávamos incomodando ele.” Eu disse. “Nós só precisávamos falar com ele desesperadamente.”
“Ainda precisamos.” Alice completou.
“Bom, vocês não vão conseguir nada sobre a vida pessoal dele comigo.” Ela disse por último e começou a caminhar.
“Que porra a gente faz agora?” Eu perguntei a Alice.
“Com o Tom não temos mais nada a fazer,”
“Alice, merda, eu não posso voltar naquele quarto.”
“Bom, então espero que você fique feliz em saber que suas transferências chegaram.”
“Chegaram?”
“Sim, eu vi a noticia quando chequei meu e-mail hoje mais cedo. Você vai para Morton e Lydia vai para Tinsley.”
“Ah, obrigada Deus.”
“Eu achei que você fosse gostar disso, eu convenci meu chefe a não colocar mais ninguém no quarto 734.”
“Ainda bem.”
“A única coisa é que você não pode se mudar pelo menos até Segunda.”
“Eu posso durar um fim de semana, especialmente agora que sei que acabou. Tenho que contar pra Lydia.”
Eu peguei meu celular e ia discar o numero da Lydia, mas minha atenção foi chamada para o ‘1’ vermelho no canto da tela, que indicava uma mensagem de voz. Eu apertei play, era o resto da mensagem da noite passada.
“—nem olhar mais pra aquela cara estúpida dele então eu vou pra casa. Não se preocupe, vou ficar bem, estou bêbada o suficiente pra conseguir dormir e ignorar qualquer barulho do quarto vizinho. Só estou realmente irritada agora, eu ia preferir lidar com a Beth Imbecil do que com o Michael-meus-pais-devem-ser-gemeos-porque-eu-sou-muito-retardado-Benson. Vamos sair amanhã? Te amo!”
“Merda.”
Alicia me olhou, questionando silenciosamente.
“Lydia dormiu no nosso quarto.”
Alice encolheu os ombros. “Mas ela está bem, não está?”
“Se ela não entrou no 733.”
“Ela não entrou.” Eu pensei nas grandes janelas nas paredes, só aquilo faria com que Lydia ficasse bem longe daquele quarto.
“Hum, então ta. Já que não temos nada pra fazer, quer ir à biblioteca e olhar uns livros de teologia? É a única coisa aberta á essa hora.”
“Claro.” Eu dei de ombros, não tinha aula até ás 10.

A senhora que estava na biblioteca parecia ter mais de 1000 anos de idade, Srª. Stapley. Os olhos dela eram pequenos e aguados e a pele do rosto dela parecia derreter o tempo todo.
Ainda assim, ela era lúcida e nos mandou para a ala certa quando perguntamos sobre demonologia, mesmo estando com um olhar curioso no rosto. Nós lemos algumas coisas, mas não encaixava com nosso caso e o que talvez pudesse encaixar, não estava em inglês.
30 minutos depois nós retornamos para a mesa dela.
“A senhora tem alguma coisa relacionada ao ocultismo?”
“Ah, o oculto. Sim...” A voz dela sumiu por um momento. “Logo ali á direita.”
“Obrigada e desculpe.”
“Eu não acho que ela goste de nós.” Alice sussurrou enquanto nós íamos em direção aos livros.
“De nós ou dos nossos interesses?”
“Os dois.”
Uma hora depois nós retornamos a mesa dela e ela nos fitou enquanto nós andávamos, ela parecia estar suspeitando de algo.
“Hum, desculpe. Mas a senhora sabe onde nós podemos encontrar algum tabuleiro Ouija ou—”
“Escutem aqui, garotas,” Srª. Stapley levantou da cadeira e encarou nós duas intensamente. “Eu realmente espero que isso seja para alguma aula.”
“E é.” Eu disse.
“Não é não.” Alice disse simultaneamente, “É uma pesquisa pessoal.”
“Pesquisa? Que tipo de pesquisa?”
“Olha, nós não vamos destruir nada com o tabuleiro de Ouija ou algo do tipo...” Eu disse.
“Bom mesmo.” Ela disse e ajeitou a roupa antes de sentar novamente. “Porque eu não posso ter esse tipo de coisa acontecendo aqui.”
“De novo?” Alice retrucou.
A mulher mais velha pareceu desconfortável por um momento e começou a analisar uma pilha de livros que estava em sua mesa.
“Talvez nós tenhamos algo—”
“Srª. Stapley, nós queremos informações sobre o que aconteceu em 1961.” Alice interrompeu. “E também sobre o que vêm acontecendo desde então.”
“Não é um segredo, é? Um estudante cometeu suicídio naquele quarto, horrível, mas não é raro em nenhum campus universitário.”
“5 estudantes.” Eu a corrigi.
“Mas a senhora sabe disso, não é?” Alice começou a falar rápido. “Porque você soa como se você soubesse muito bem essa história. Por favor, nos diga como começou e talvez nós possamos pôr um fim.”
“Pôr um fim?” Srª. Stapley falou e sua voz parecia mais calma e concentrada. “Não seja arrogante, mocinha. Você não pode pôr um fim nisso. Pessoas sempre morreram naquele quarto e elas vão continuar morrendo, não existe fim e é melhor você ficar fora disso.”
“Mas talvez se nós soubéssemos como começou...”
“Começou como você acha que começou, mas todos os envolvidos ou estão muito velhos ou muito mortos hoje. Apenas fique longe do quarto, se concentre nos estudos.” Eu me apoiei na mesa. “Eu adoraria, mas eles me colocaram junto com a minha amiga no quarto vizinho, talvez você consiga esquecer sobre os suicídios, mas nós não, aquilo não deixa.”
“Mocinha, eu nunca esqueci.” Srª Stapley disse e sua voz estava ainda mais calma do que antes.
“Minha amiga Ellen foi a primeira a morrer naquele quarto. Ela era minha melhor amiga, e não tem uma noite que eu não pense nela tentando sair daquela janela minúscula e depois pulando do sétimo andar do prédio.”
Alice suspirou. “Desculpe, eu não sabia.”
“Bom, são apenas memórias, querida. Agora garotas, eu sugiro que vocês peçam outro quarto urgentemente, ninguém deveria estar no sétimo andar daquele prédio, e isso é tudo que eu vou dizer sobre o assunto.”
Alice suspirou e não disse nada, apenas acenou com a cabeça. Nós não iríamos descobrir mais nada aqui, mas mesmo assim, estávamos em uma situação melhor... Pelo menos tínhamos alguma informação.
Alice começou a andar e eu quase a segui, mas tinha algo me incomodando no que a Srª. Stapley havia dito. Só um pequeno detalhe.
“Srª. Stapley,” Eu disse e a cansada velhinha me olhou, “Por que você se referiu ás janelas do 733 como minúsculas? Porque eu já vi aquelas janelas e elas são gigantes, tipo, 1 metro de altura.”
“Querida, você está falando do quarto de suprimentos. O quarto 733 é do lado dele.”
“N—ão, não.” Eu estremeci, “aquele é o quarto 734.”
“Bom, é agora, quando eles construíram quartos na ala sul todos os quartos diminuíram um número.”
Meu Deus, eu me senti tonta e parecia que eu ia cair a qualquer momento.
“Merda.” Alice sussurrou perto de mim.
“Lydia.”


Nós corremos pelo campus como se estivéssemos em maratona, apenas alguns alunos nos viram e nos olharam com o cenho franzido, quando meu prédio apareceu no meu ponto de vista eu senti meu sangue gelar.
As janelas do quarto estavam fechadas, era a primeira vez que eu via isso desde o primeiro incidente das janelas.
E a janela do meu quarto estava aberta, Lydia nunca deixava a janela aberta.
Nós corremos pelo lobby, passando por alguns calouros que haviam chegado naquele momento e pegamos o elevador, eu apertei no botão 7 e vi as portas fecharem mais lentamente do que em todo o tempo que eu estive lá.
Eu encostei-me à parede, tentando respirar normalmente e virei para Alice. “Como isso aconteceu?”
“Eu não tenho ideia alguma!”
“Ela ficou lá a noite toda, Alice. No nosso quarto. Sozinha.” Alice fez que não com a cabeça mas não disse nada, quando as portas finalmente abriram a única coisa a nossa frente era um calmo e escuro corredor. Eu corri até minha porta com Alice atrás de mim e usei toda a força para abrir a porta do quarto, o que foi desnecessário afinal a porta não estava trancada.
Lydia me olhou de volta assim que entrei no quarto, e por um pequeno, cruel e doloroso momento um raio de esperança passou pelo rosto dela.
Mas era tarde demais, no segundo seguinte ela estava recostando no nada, tão delicadamente, e então se foi.
Ela gritou até alcançar o chão.
Alice correu até a janela e colocou a cabeça pra fora e eu fiquei parada, enquanto eu observava Alice levar as mãos até a boca e colocar a cabeça pra dentro do quarto novamente, o rosto dela estava branco como neve.
Os gritos lá fora ficaram maiores assim que as pessoas viram o que restava da minha melhor amiga no asfalto frio. Eu recostei no armário e suspirei.
Ela se jogou da janela... Lydia nunca se jogaria da janela.
Eu vi algumas fotografias jogadas no chão e comecei a desvirá-las. A mãe de Lydia estava em uma delas, ela está morta. Na outra, vi a irmã mais nova de Lydia, que também estava morta. Haviam dúzias de fotos como essas no chão, Lydia ficou bastante ocupada na noite passada. Eu não prestei muita atenção em todas, no entanto, a da irmã dela foi a última que vi antes de cair no chão.
Alice estava na porta, gritando algo que eu não compreendi porque a única coisa que eu conseguia ouvir era minha própria lamentação.
Um pedaço de papel escapou no do armário e eu o peguei, era um desenho de Lydia, eu o abri.
Não era como os outros, era o closet, como se ela tivesse visto do meu ponto de vista no dia que achei que era ela escondida nele, a porta estava meio aberta e tinha algo olhando pra fora.
Eu fitei a imagem e tentei ver dentro do closet, e assim que eu comecei a achar que tinha visto algo, Alice me puxou pelo braço.
“Nós temos que sair daqui.” Eu acho que ela disse.

Eu nunca voltei naquele quarto. Meus pais foram buscar minhas coisas e eu passei o resto do semestre em um apartamento fora do campus. Eu peguei minha transferência assim que o semestre acabou e eu me formei fora do estado.
Toda noite eu sonho com Lydia, tentando sair da minúscula janela, se esfregando na beirada fria, parando lá e sabendo que não haveria nada entre ela e o asfalto. Eu vejo o horror no rosto dela, eu ouço a batida feroz do seu coração, desesperadamente tentando reviver cada momento da vida que ela perdeu, mesmo sabendo que foram apenas durante poucos segundos enquanto ela caía.
Eu a vejo olhar pra mim, eu a vejo cair.
Isso aconteceu 9 anos atrás, e todo semestre eu procuro saber quais são os dormitórios disponíveis para calouros. Reilly está sempre disponível.
O sétimo andar está fechado.


“Você estava perguntando sobre quartos disponíveis em Reilly?”
“Sim, isso mesmo.”
“Há uma lista de espera grande, mas talvez você tenha ligado na hora certa. Não posso prometer nada, mas talvez você ache um quarto, nós conseguimos a aprovação hoje—”
“Aprovação para quê?” Eu disse lentamente.

“Nós estamos reabrindo o sétimo andar.”

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Pessoas morando com outras sem que elas saibam

A internet está cheia de histórias e curiosidades bizarras, muitas delas se tornando postagens sensacionais aqui no blog, navegado pela surface da vida, uma delas chamou minha atenção. A história a seguir foi contada no Twitter pela escritora "Natália Becattini" e dá conta de um episódio que um amigo havia contado a ela dias atrás.



"Como estou aqui procrastinando, vou contar uma história bizarra que fiquei sabendo esses dias porque né... ninguém merece ficar perturbada sozinha", escreve ela, que começa contanto sobre uma brasileira que se mudou para Londres e alugou um estúdio para morar sozinha.

"Uma menina brasileira se mudou para Londres e alugou um estúdio para morar sozinha, nesses prédios antigos com o pé direito super alto e tal. Ela morou lá por meses e um dia, um amigo dela pediu pra ela receber um conhecido australiano que estaria de passagem pela cidade. Ela ficou meio cabreira porque, né? Receber um homem que a gente não conhece em casa, morando sozinha e tal, e tentou recusar, mas aí o amigo insistiu e disse que era tranquilo porque o boy era gay e tudo mais. Ela resolveu aceitar. Ai o boy chegou lá e ela colocou ele pra dormir em um colchão no chão do lado da cama dela", contou.


"Um dia, no meio da madrugada, ela acorda com o moço chamando. Ele disse que estava morrendo de fome e até passando meio mal e precisava comer algo. Ela manda ele ir na geladeira e pegar o que quisesse lá. Ele diz que tava se sentindo mal e insistiu pra ela ir com ele pra cozinha. Ela se levanta meio puta com a visita e vai na cozinha com ele. Chegando lá ele não quer nada do que tem na casa. Diz: acho que tô precisando tomar um ar, to me sentindo mto estranho, vamos comigo lá fora e a gente acha algo pra comer na rua. Ela diz "são duas da manhã!" e ele insiste muito ela acaba cedendo e sai com ele. Assim que estão do lado de fora, o boy vira pra ela com os olhos arregalados e diz, amiga chama agora a polícia tem um cara na sua casa. Ela tipo 'o que ?como assim?!. Ele diz que tava deitado no colchão e viu uma cabeça debaixo da cama. Daí eles chamam a polícia e a polícia entra no apartamento. Sai de lá levando um homem que, descobriu-se depois, morava em um buraco debaixo do assoalho do apartamento dela há meses e estava planejando matá-la", completa.

Já pensou? isso por incrível que pareça, é mais comum do que se imagina, não costuma acontecer muito no Brasil, mas lá fora é bem comum, podemos ver um caso parecido no filme "Parasita".

Mas e ai? já olhou em baixo da cama hoje? temos uma ótima creepypasta com temática semelhante aqui no blog, pra quem quiser dar uma olhada vale a pena, "Penpal":

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O Perdido Worlds

 Worlds.com foi um jogo que fez muito sucesso nos primórdios da internet, nos anos 2000, quando muito da internet ainda era a rádio e bem poucas pessoas tinham acesso a ela, o jogo é focado em interações sociais, bem na pegada de Habbo Hotel e Second Life, e acredite se quiser, mesmo mais de 20 anos depois, o jogo ainda esta em pé, firme e forte.


O jogo já não possui mais moderação, e conta com uma minúscula base de players, e é ai que começa o problema e do porque este game ganhou uma postagem em nosso blog.

Você deve estar se perguntando, "esse pessoal deve gostar mesmo deste game pra joga-lo mesmo tanto tempo depois do lançamento", sim. É uma boa explicação e uma resposta obvia, e é ai que a brincadeira começa. Como o próprio nome diz, Worlds.com é um game onde você pode montar seu mundo, com uma temática própria e quem você quiser pode ter acesso, e é ai que começa as bizarrices deste game.


Segundo o que circula na Internet e dentro do próprio jogo, existe um culto dentro deste game, este liderado por um player chamado "Nexalist", o cara de preto da imagem acima. ele entra no game diariamente a mais de 10 anos, todas as 18h, e com sorte, você pode encontra-lo e pedir um "Tour" pelos lugares "legais" do game. 


Isso é o que você deve dizer, se quiser entrar nas salas do culto no game, mas afinal, sobre o que é este culto? Sobre o que se sabe, o culto de "Naxalist" é sobre um monte de quartos no game secretos, feitos por trás da programação normal do mesmo, e só podem ser acessados se alguém do culto quiser te levar lá, ai a dificuldade de conseguir informações sobre esses caras.

O que tem nesses quartos? bom, de tudo um pouco, des de imagens satânicas como pentagramas e muito gore, até alguns outros que ao que se sabe, tinham imagens de conteúdo extremo envolvendo crianças, algumas delas levavam a sites que foram fechados pelo FBI.


E ai, ficou curioso? Quer conferir o game? Está com sorte, ele esta ativo até hoje! vou deixar o link pra acessar o game abaixo, mas lembra-se, "NÃO TEM CULTO NENHUM EM WORLDS.COM".


Worlds.com

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

O Gato Preto - Edgar Allan Poe



Não espero nem peço que acreditem nesta história sumamente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não sonho. Mas amanhã posso morrer e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito. Meu propósito imediato é apresentar ao mundo, clara e sucintamente, mas sem comentários, uma série de simples acontecimentos domésticos. Devido a suas conseqüências, tais acontecimentos me aterrorizaram, torturaram e destruíram. No entanto, não tentarei esclarecê-los. Em mim, quase não produziram outra coisa senão horror – mas, em muitas pessoas, talvez lhes pareçam menos terríveis que grotescos. Talvez, mais tarde, haja alguma inteligência que reduza o meu fantasma a algo comum – uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que a minha, que perceba, nas circunstâncias a que me refiro com terror, nada mais do que uma sucessão comum de causas e efeitos muito naturais. O Gato Preto

Desde a infância, tornaram-se patentes a docilidade e o sentido humano de meu caráter. A ternura de meu coração era tão evidente, que me tornava alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava, especialmente, de animais, e meus pais me permitiam possuir grande variedade deles. Passava com eles quase todo o meu tempo, e jamais me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer ou os acariciava. Com os anos, aumentou esta peculiaridade de meu caráter e, quando me tornei adulto, fiz dela uma das minhas principais fontes de prazer. Aos que já sentiram afeto por um cão fiel e sagaz, não preciso dar-me ao trabalho de explicar a natureza ou a intensidade da satisfação que se pode ter com isso. Há algo, no amor desinteressado, e capaz de sacrifícios, de um animal, que toca diretamente o coração daqueles que tiveram ocasiões freqüentes de comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade de um simples homem.

Casei cedo, e tive a sorte de encontrar em minha mulher disposição semelhante à minha. Notando o meu amor pelos animais domésticos, não perdia a oportunidade de arranjar as espécies mais agradáveis de bichos. Tínhamos pássaros, peixes dourados, um cão, coelhos, um macaquinho e um gato.

Este último era um animal extraordinariamente grande e belo, todo negro e de espantosa sagacidade. Ao referir-se à sua inteligência, minha mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia freqüentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas. Não que ela se referisse seriamente a isso: menciono o fato apenas porque aconteceu lembrar-me disso neste momento.

Pluto – assim se chamava o gato – era o meu preferido, com o qual eu mais me distraía. Só eu o alimentava, e ele me seguia sempre pela casa. Tinha dificuldade, mesmo, em impedir que me acompanhasse pela rua.

Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os quais não só o meu caráter como o meu temperamento -enrubesço ao confessá-lo – sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma modificação radical para pior. Tornava-me, dia a dia, mais taciturno, mais irritadiço, mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me à minha mulher. No fim, cheguei mesmo a tratá-la com violência. Meus animais, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto a Pluto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de maltratá-lo, ao passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os coelhos, o macaco e mesmo o cão, quando, por acaso ou afeto, cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim – que outro mal pode se comparar ao álcool? – e, no fim, até Pluto, que começava agora a envelhecer e, por conseguinte, se tornara um tanto rabugento, até mesmo Pluto começou a sentir os efeitos de meu mau humor. O Gato Preto

Certa noite, ao voltar a casa, muito embriagado, de uma de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele, assustado ante a minha violência, me feriu a mão, levemente, com os dentes. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dir-se-ia que, súbito, minha alma abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pela genebra, fez vibrar todas as fibras de meu ser. Tirei do bolso um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, friamente, arranquei de sua órbita um dos olhos! Enrubesço, estremeço, abraso-me de vergonha, ao referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.

Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão – dissipados já os vapores de minha orgia noturna -, experimentei, pelo crime que praticara, um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível. Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no vinho a lembrança do que acontecera.

Entrementes, o gato se restabeleceu, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas não parecia mais sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação. Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio, sofresse com aquela evidente aversão por parte de um animal que, antes, me amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem.

Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante, mesmo quando estamos no melhor de nosso juízo, para violar aquilo que é Lei, simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final. O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira ao inofensivo animal. O Gato Preto

Uma manhã, a sangue frio, meti-lhe um nó corredio em torno do pescoço e enforquei-o no galho de uma árvore. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Enforquei-o porque sabia que ele me amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele. Enforquei-o porque sabia que estava cometendo um pecado – um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a, se é que isso era possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente misericordioso e infinitamente terrível.

Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui despertado pelo grito de “fogo!”. As cortinas de minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens terrenos foram tragados pelo fogo, e, desde então, me entreguei ao desespero.

Não pretendo estabelecer relação alguma entre causa e efeito – entre o desastre e a atrocidade por mim cometida. Mas estou descrevendo uma seqüência de fatos, e não desejo omitir nenhum dos elos dessa cadeia de acontecimentos. No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. Essa única exceção era constituída por um fino tabique interior, situado no meio da casa, junto ao qual se achava a cabeceira de minha cama. O reboco havia, aí, em grande parte, resistido à ação do fogo – coisa que atribuí ao fato de ter sido ele construído recentemente. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muita pessoas examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela. As palavras “estranho!”, “singular!”, bem como outras expressões semelhantes, despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em torno do pescoço do animal.

Logo que vi tal aparição – pois não poderia considerar aquilo como sendo outra coisa -, o assombro e terror que se me apoderaram foram extremos. Mas, finalmente, a reflexão veio em meu auxílio. O gato, lembrei-me, fora enforcado num jardim existente junto à casa. Aos gritos de alarma, o jardim fora imediatamente invadido pela multidão. Alguém deve ter retirado o animal da árvore, lançando-o, através de uma janela aberta, para dentro do meu quarto. Isso foi feito, provavelmente, com a intenção de despertar-me. A queda das outras paredes havia comprimido a vítima de minha crueldade no gesso recentemente colocado sobre a parede que permanecera de pé. A cal do muro, com as chamas e o amoníaco desprendido da carcaça produzira a imagem tal qual eu agora a via. O Gato Preto

Embora isso satisfizesse prontamente minha razão, não conseguia fazer o mesmo, de maneira completa, com minha consciência, pois o surpreendente fato que acabo de descrever não deixou de causar-me, apesar de tudo, profunda impressão. Durante meses, não pude livrar-me do fantasma do gato e, nesse espaço de tempo, nasceu em meu espírito uma espécie de sentimento que parecia remorso, embora não o fosse. Cheguei, mesmo, a lamentar a perda do animal e a procurar, nos sórdidos lugares que então freqüentava, outro bichano da mesma espécie e de aparência semelhante que pudesse substituí-lo.

Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes barris, de genebra ou rum, que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente o alto do barril, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo. Aproximei-me e toquei-o com a mão. Era um gato preto, enorme – tão grande quanto Pluto – e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele. Pluto não tinha um único pêlo branco em todo o corpo – e o bichano que ali estava possuía uma mancha larga e branca, embora de forma indefinida, a cobrir-lhe quase toda a região do peito.

Ao acariciar-lhe o dorso, ergueu-se imediatamente, ronronando com força e esfregando-se em minha mão, como se a minha atenção lhe causasse prazer. Era, pois, o animal que eu procurava. Apressei-me em propor ao dono a sua aquisição, mas este não manifestou interesse algum pelo felino. Não o conhecia; jamais o vira antes.

Continuei a acariciá-lo e, quando me dispunha a voltar para casa, o animal demonstrou disposição de acompanhar-me. Permiti que o fizesse – detendo-me, de vez em quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar, sentiu-se imediatamente à vontade, como se pertencesse a casa, tornando-se logo, um dos bichanos preferidos de minha mulher. O Gato Preto

De minha parte, passei a sentir logo aversão por ele. Acontecia, pois, justamente o contrário do que eu esperava. Mas a verdade é que – não sei como nem por quê – seu evidente amor por mim me desgostava e aborrecia. Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no mais amargo ódio. Evitava o animal. Uma sensação de vergonha, bem como a lembrança da crueldade que praticara, impediam-me de maltratá-lo fisicamente. Durante algumas semanas, não lhe bati nem pratiquei contra ele qualquer violência; mas, aos poucos – muito gradativamente -, passei a sentir por ele inenarrável horror, fugindo, em silêncio, de sua odiosa presença, como fugisse de uma peste.

Sem dúvida, o que aumentou o meu horror pelo animal foi a descoberta, na manhã do dia seguinte ao que o levei para casa, que, como Pluto, também havia sido privado de um do olhos. Tal circunstância, porém, apenas contribuiu para que minha mulher sentisse por ele maior carinho, pois, como já disse, era dotada, em alto grau, dessa ternura de sentimentos que constituíra, em outros tempos, um de meus traços principais, bem como fonte de muitos de meus prazeres mais simples e puros.

No entanto, a preferência que o animal demonstrava pela minha pessoa parecia aumentar em razão direta da aversão que sentia por ele. Seguia-me os passos com uma pertinácia que dificilmente poderia fazer com que o leitor compreendesse. Sempre que me sentava, enrodilhava-se embaixo de minha cadeira, ou me saltava ao colo, cobrindo-me com suas odiosas carícias. Se me levantava para andar, metia-se-me entre as pernas e quase me derrubava, ou então, cravando suas longas e afiadas garras em minha roupa, subia por ela até o meu peito. Nessas ocasiões, embora tivesse ímpetos de matá-lo de um golpe, abstinha-me de fazê-lo devido, em parte, à lembrança de meu crime anterior, mas, sobretudo – apresso-me a confessá-lo -, pelo pavor extremo que o animal me despertava.

Esse pavor não era exatamente um pavor de mal físico e, contudo, não saberia defini-lo de outra maneira. Quase me envergonha confessar – sim, mesmo nesta cela de criminoso -, quase me envergonha confessar que o terror e o pânico que o animal me inspirava eram aumentados por uma das mais puras fantasias que se possa imaginar. Minha mulher, mais de uma vez, me chamara a atenção para o aspecto da mancha branca a que já me referi, e que constituía a única diferença visível entre aquele estranho animal e o outro, que eu enforcara. O leitor, decerto, se lembrará de que aquele sinal, embora grande, tinha, a princípio, uma forma bastante indefinida. Mas, lentamente, de maneira quase imperceptível – que a minha imaginação, durante muito tempo, lutou por rejeitar como fantasiosa -, adquirira, por fim, uma nitidez rigorosa de contornos. Era, agora, a imagem de um objeto cuja menção me faz tremer… e, sobretudo por isso, eu o encarava como a um monstro de horror e repugnância, da qual eu, se tivesse coragem, me teria livrado. Era agora, confesso, a imagem de uma coisa odiosa, abominável: a imagem da forca! Oh, lúgubre e terrível máquina de horror e de crime, de agonia e de morte!

Na verdade, naquele momento eu era um miserável – um ser que ia além da própria miséria da humanidade. Era uma besta-fera, cujo irmão fora por mim desdenhosamente destruído… uma besta-fera que se engendrara em mim, insuportável infortúnio! Ai de mim! Nem de dia, nem de noite, conheceria jamais a bênção do descanso! Durante o dia, o animal não me deixava a sós um único momento; e, à noite, despertava de hora em hora, tomado do indescritível terror de sentir o hálito quente da coisa sobre o meu rosto, e o seu enorme peso – encarnação de um pesadelo que não podia afastar de mim – pousado eternamente sobre o meu coração!

Sob a pressão de tais tormentos, sucumbiu o pouco que restava em mim de bom. Pensamentos maus converteram-se em meus únicos companheiros – os mais sombrios e os mais perversos dos pensamentos. Minha rabugice habitual se transformou em ódio por todas as coisas e por toda a humanidade – e, enquanto eu, agora, me entregava cegamente a súbitos, freqüentes e irreprimíveis acesso de cólera, minha mulher – pobre dela! – não se queixava nunca, convertendo-se na mais paciente e sofredora das vítimas.

Um dia, acompanhou-me, para ajudar-me numa das tarefas domésticas, até o porão do velho edifício em que nossa pobreza nos obrigava a morar. O gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar escada abaixo, me exasperou a ponto de perder o juízo. Apanhando uma machadinha e esquecendo o terror pueril que até então contivera minha mão, dirigi ao animal um golpe que teria sido mortal, se atingisse o alvo. Mas minha mulher segurou-me o braço, detendo o golpe. Tomado, então, de fúria demoníaca, livrei o braço do obstáculo que o detinha e cravei-lhe a machadinha no cérebro. Minha mulher caiu morta instantaneamente, sem lançar um gemido.


Realizado o terrível assassínio, procurei, movido por súbita resolução, esconder o corpo. Sabia que não poderia retirá-lo da casa, nem de dia nem de noite, sem correr o risco de ser visto pelos vizinhos. Ocorreram-me vários planos. Pensei, por um instante, em cortar o corpo em pequenos pedaços e destruí-los por meio do fogo. Resolvi, depois, cavar uma fossa no chão da adega. Em seguida, pensei em atirá-lo ao poço do quintal. Mudei de idéia e decidi mantê-lo num caixote, como se fosse uma mercadoria, na forma habitual, fazendo com que um carregador o retirasse da casa. Finalmente, tive uma idéia que me pareceu muito mais prática: resolvi emparedá-lo na adega, como faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas.

Aquela adega se prestava muito bem para tal propósito. As paredes não haviam sido construídas com muito cuidado e, pouco antes, haviam sido cobertas, em toda a sua extensão, com um reboco que a umidade impedira de endurecer. Ademais, havia uma saliência numa das paredes, produzida por alguma chaminé ou lareira, que fora tapada para que se assemelhasse ao resto da adega. Não duvidei de que poderia facilmente retirar os tijolos naquele lugar, introduzir o corpo e recolocá-los do mesmo modo, sem que nenhum olhar pudesse descobrir nada que despertasse suspeita.

E não me enganei em meus cálculos. Por meio de uma alavanca, desloquei facilmente os tijolos e, tendo depositado o corpo, com cuidado, de encontro à parede interior, segurei-o nesta posição, até poder recolocar, sem grande esforço, os tijolos em seu lugar, tal como estavam anteriormente. Arranjei cimento, cal e areia e, com toda a precaução possível, preparei uma argamassa que não se poderia distinguir da anterior, cobrindo com ela, escrupulosamente, a nova parede. Ao terminar, senti-me satisfeito, pois tudo correra bem. A parede não apresentava o menor sinal de ter sido rebocada. Limpei o chão com o maior cuidado e, lançando o olhar em torno, disse, de mim para comigo: “Pelo menos aqui, o meu trabalho não foi em vão”.

O passo seguinte foi procurar o animal que havia sido a causa de tão grande desgraça, pois resolvera, finalmente, matá-lo. Se, naquele momento, tivesse podido encontrá-lo, não haveria dúvida quanto à sua sorte: mas parece que o esperto animal se alarmara ante a violência de minha cólera, e procurava não aparecer diante de mim enquanto me encontrasse naquele estado de espírito. Impossível descrever ou imaginar o profundo e abençoado alívio que me causava a ausência de tão detestável felino. Não apareceu também durante a noite – e, assim, pela primeira vez, desde sua entrada em casa, consegui dormir tranqüilo e profundamente. Sim, dormi mesmo com o peso daquele assassínio sobre a minha alma.

Transcorreram o segundo e o terceiro dia- e o meu algoz não apareceu. Pude respirar, novamente, como homem livre. O monstro, aterrorizado fugira para sempre de casa. Não tornaria a vê-lo! Minha felicidade era infinita! A culpa de minha tenebrosa ação pouco me inquietava. Foram feitas algumas investigações, mas respondi prontamente a todas as perguntas. Procedeu-se, também, a uma vistoria em minha casa, mas, naturalmente, nada podia ser descoberto. Eu considerava já como coisa certa a minha felicidade futura.

No quarto dia após o assassinato, uma caravana policial chegou, inesperadamente, a casa, e realizou, de novo, rigorosa investigação. Seguro, no entanto, de que ninguém descobriria jamais o lugar em que eu ocultara o cadáver, não experimentei a menor perturbação. Os policiais pediram-me que os acompanhasse em sua busca. Não deixaram de esquadrinhar um canto sequer da casa. Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram novamente ao porão. Não me alterei o mínimo que fosse. Meu coração batia calmamente, como o de um inocente. Andei por todo o porão, de ponta a ponta. Com os braços cruzados sobre o peito, caminhava, calmamente, de um lado para outro. A polícia estava inteiramente satisfeita e preparava-se para sair. O júbilo que me inundava o coração era forte demais para que pudesse contê-lo. Ardia de desejo de dizer uma palavra, uma única palavra, à guisa de triunfo, e também para tornar duplamente evidente a minha inocência.

– Senhores – disse, por fim, quando os policiais já subiam a escada -, é para mim motivo de grande satisfação haver desfeito qualquer suspeita. Desejo a todos os senhores ótima saúde e um pouco mais de cortesia. Diga-se de passagem, senhores, que esta é uma casa muito bem construída… (quase não sabia o que dizia, em meu insopitável desejo de falar com naturalidade) Poderia, mesmo, dizer que é uma casa excelentemente construída. Estas paredes – os senhores já se vão? -, estas paredes são de grande solidez.

Nessa altura, movido por pura e frenética fanfarronada, bati com força, com a bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede atrás da qual se achava o corpo da esposa de meu coração.

Que Deus me guarde e livre das garras de Satanás! Mal o eco das batidas mergulhou no silêncio, uma voz me respondeu do fundo da tumba, primeiro com um choro entrecortado e abafado, como os soluços de uma criança; depois, de repente, com um grito prolongado, estridente, contínuo, completamente anormal e inumano. Um uivo, um grito agudo, metade de horror, metade de triunfo, como somente poderia ter surgido do inferno, da garganta dos condenados, em sua agonia, e dos demônios exultantes com a sua condenação.

Quanto aos meus pensamentos, é loucura falar. Sentindo-me desfalecer, cambaleei até a parede oposta. Durante um instante, o grupo de policiais deteve-se na escada, imobilizado pelo terror. Decorrido um momento, doze braços vigorosos atacaram a parede, que caiu por terra. O cadáver, já em adiantado estado de decomposição, e coberto de sangue coagulado, apareceu, ereto, aos olhos dos presentes. Sobre sua cabeça, com a boca vermelha dilatada e o único olho chamejante, achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco. Eu havia emparedado o monstro dentro da tumba!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

A Música de Erich Zann - H.P Lovecraft



Tenho examinado mapas da cidade com o maior cuidado, mas jamais reencontrei a Rue d’Auseil. E não foram apenas mapas modernos, pois sei que os nomes mudam. Pelo contrário, pesquisei também, profundamente, em meio ao que há de mais antigo no lugar e explorei pessoalmente cada região, qualquer que fosse o nome, que porventura pudesse evocar a rua que conheci como Rue d’Auseil. No entanto, apesar de tudo, prevalece o fato humilhante de que não consigo achar a casa, a rua ou sequer a localidade onde, durante os últimos meses de uma miserável vida de estudante de metafísica na universidade, ouvi a música de Erich Zann.

Não me espanto de que minha memória falhe, pois minha saúde – física e mental – ficou gravemente comprometida durante o período em que residi na Rue d’Auseil, e me lembro de nunca ter levado nenhum de meus poucos conhecidos até lá. Mas que eu não possa encontrar de novo o lugar é que é singular e estarrecedor, pois ficava a meia hora de caminhada da universidade, além de que se distinguia por algumas peculiaridades que ninguém que tivesse estado lá esqueceria facilmente. Jamais conheci alguém que tivesse visto a Rue d’Auseil.

A Rue d’Auseil ficava do outro lado de um rio escuro, guarnecido por barracões de tijolos com janelas baças, sobre o qual se estendia uma ponte maciça de pedra negra. Sombras eternas pairavam sobre o rio, como se a fumaça das fábricas vizinhas obstruísse perpetuamente a luz do sol. O rio recendia a odores malignos que jamais senti noutros lugares e que talvez possam algum dia me ajudar a encontrá-lo, já que eu os reconheceria de pronto. Para além da ponte viam-se ruas estreitas calçadas de pedras e protegidas por parapeitos; e então vinha o aclive, no início suave, depois incrivelmente acentuado quando começava a Rue d’Auseil.

Nunca vi nenhuma rua tão estreita e íngreme quanto a Rue d’Auseil. Era quase um precipício, inviável para qualquer veículo, consistindo, em mais de um ponto, de lanços de degraus e, no topo, terminando num muro alto coberto de hera. Seu calçamento era irregular, às vezes lajes de pedra, às vezes fragmentos de pedra e às vezes terra nua de onde despontavam tufos de vegetação cinza-esverdeada. As casas – de telhados pontudos – eram todas incrivelmente antigas e, em desordem, inclinavam-se para trás, para a frente ou para os lados. Não raro um par oposto, inclinando-se para diante, quase se tocava por cima da rua, formando um arco e certamente impedindo que parte da luz chegasse até o chão. Havia uns poucos passadiços ligando casas de ambos os lados da rua.

Os moradores dessa rua me impressionavam particularmente. No início, pensei que fosse por se tratar de gente silenciosa e reservada, mas depois concluí que era por serem todos muito velhos. Não sei como fui viver em tal recanto, mas pode ser que não foi por vontade própria que me mudei para lá. Tinha estado a habitar em muitos lugares pobres, sendo sempre despejado por falta de dinheiro, até que um dia fui parar naquela casa decadente da Rue d’Auseil, gerenciada pelo paralítico Blandot. Era a terceira casa a contar do topo da rua e, de longe, a mais alta de todas.

Meu quarto ficava no quinto piso – o único quarto ocupado, já que a casa estava quase vazia. Na noite em que cheguei, ouvi uma estranha música proveniente do sótão sobre minha cabeça, e no dia seguinte inquiri o velho Blandot a respeito. Ele me falou de um velho tocador de viola alemão, um sujeito estranho, mudo, que assinava o nome de Erich Zann e que se apresentava à noite na orquestra de um teatro barato, acrescentando que o desejo de tocar à noite, após o seu retorno do teatro, era o motivo pelo qual Zann escolhera aquele quarto no sótão alto e isolado, cuja solitária janela de empena era o único ponto da rua a partir do qual se podia avistar, por cima do muro, o declive e o panorama além dele.

Desde então, ouvi Zann todas as noites e, embora ele me mantivesse desperto, a esquisitice de sua música me fascinava. Conhecendo pouco dessa arte, ainda assim eu estava certo de que nenhuma de suas modulações tinha qualquer relação com a música que eu ouvira antes e concluía que ele era um compositor de gênio altamente original. Quanto mais eu ouvia, mais ficava enleado, até que depois de uma semana resolvi conhecer o homem pessoalmente.

Certa noite, quando ele retornava do trabalho, interceptei Zann no corredor e lhe disse que gostaria de conhecê-lo e de estar com ele enquanto ele tocava. Era um indivíduo pequeno e recurvado, vestindo roupas surradas – de olhos azuis, face grotesca de sátiro e uma calva acentuada –, que ao ouvir minhas primeiras palavras se mostrou zangado e amedrontado. Minha camaradagem franca, no entanto, logo o abrandou, e ele, com relutância, me fez sinal para que o seguisse através da escada escura, rangente e infirme que conduzia ao sótão. Seu quarto, um dos dois únicos que havia no sótão de teto anguloso, ficava no lado oeste, voltado para o muro alto que limitava a extremidade superior da rua. Suas dimensões eram bastante amplas e pareciam mais amplas ainda devido à desarrumação e à nudez do lugar. De mobília havia apenas um catre de ferro, um lavatório ensebado, uma mesa pequena, uma estante grande, um suporte de ferro para partituras e três cadeiras de desenho antiquado. Folhas de notação musical jaziam espalhadas pelo soalho. As paredes eram de tábuas nuas e provavelmente nunca teriam conhecido nenhum emboço, ao passo que a abundância de poeira e teias de aranha fazia o lugar parecer mais deserto do que habitado. Por certo o mundo de beleza de Erich Zann existia num distante cosmos da imaginação.

Assinalando para que eu me sentasse, o mudo fechou a porta, fixou a grande trava de madeira e acendeu uma vela para aumentar a claridade da que trouxera consigo. Então retirou sua viola do estojo bichado e, segurando-a, sentou-se na cadeira menos desconfortável. Não utilizou o suporte para partituras, mas, sem pedir opinião e tocando de memória, me enlevou por mais de uma hora com acordes que eu nunca ouvira antes – acordes que deviam ser de sua própria invenção. Descrever sua exata natureza é impossível para alguém não versado em música. Constituíam uma espécie de fuga, com passagens recorrentes de um teor cativante, mas que para mim eram notáveis devido à ausência de quaisquer das notas que eu escutara embaixo, em meu quarto, noutras ocasiões.

Dessas notas arrebatadoras eu me lembrava e não raro as cantarolava ou assobiava com desajeito para mim mesmo, de modo que, quando afinal o músico baixou o arco, lhe solicitei que executasse algumas delas. Mal escutou meu pedido, a face enrugada de sátiro perdeu a placidez enfastiada que exibira durante a execução e pareceu externar a mesma curiosa mistura de raiva e medo que eu notara quando abordei o velho pela primeira vez. Por um momento estive inclinado a usar de persuasão, levando em conta os possíveis caprichos da senilidade, e até tentei elevar o estranho ânimo de meu anfitrião assobiando alguns dos acordes que tinha ouvido na noite anterior. Mas não persisti nesse intuito por mais que um instante, pois, quando o musicista mudo reconheceu a melodia, sua face assumiu de imediato uma expressão distorcida que não se pode descrever, e a sua mão alongada, ossuda e fria, se estendeu para fechar minha boca e silenciar a imitação grosseira. E não ficou só nisso: demonstrou ainda sua excentricidade lançando um olhar atônito em direção à janela que uma cortina recobria, como se receoso de algum intruso – um olhar duplamente absurdo, desde que o sótão, elevando-se acima de todos os telhados adjacentes, era inacessível, sendo a janela o único ponto na rua íngreme a partir do qual, conforme o recepcionista me dissera, se podia enxergar por cima do muro no topo.

O olhar do velho trouxe-me à lembrança a observação de Blandot, e por um gesto de capricho senti um ímpeto de olhar para o largo e vertiginoso panorama de telhados que o luar banhava e para as luzes da cidade que brilhavam lá adiante, as quais, dentre todos os moradores da Rue d’Auseil, somente esse músico ranzinza podia ver. Dei um passo em direção à janela e teria aberto as indescritíveis cortinas se, com uma recrescida fúria de pavor, o hóspede mudo não se lançasse sobre mim, desta vez movendo a cabeça em direção à porta enquanto lutava nervosamente, com ambas as mãos, para me empurrar até ela. Agora, bastante aborrecido com meu anfitrião, ordenei-lhe que me soltasse e disse-lhe que sairia imediatamente. Ele me soltou e, quando viu que eu me aborrecera e me ofendera, sua própria raiva pareceu amainar. Voltou a me segurar com força, mas desta vez de um modo amigável, conduzindo-me a uma cadeira e então, ansiosamente, passando para o outro lado da mesa, onde começou a escrever algumas palavras com um lápis, num árduo francês de estrangeiro.

A nota que ele afinal me entregou constituía-se num pedido de tolerância e perdão. Zann argumentou que estava velho, solitário, e era afligido por medos insólitos e desordens nervosas ligadas à sua música e a outras coisas. Ele apreciara meu interesse em ouvir sua música e desejava que eu retornasse e não me importasse com suas excentricidades. Mas ele não podia tocar para os outros aqueles acordes inusitados e menos ainda ouvir alguém assobiá-los, assim como não podia suportar que alguém mexesse no que quer que fosse em seu quarto. Ele não tivera idéia, até nossa conversa no corredor, de que em meu quarto eu podia ouvi-lo tocar e então me perguntou se eu não podia pedir a Blandot que me transferisse para um quarto mais embaixo, onde não o ouvisse durante a noite. Estava disposto – conforme escreveu – a arcar com o acréscimo no preço do aluguel.

Enquanto decifrava o francês execrável, comecei a me sentir mais complacente com o velho. Tornara-se vítima de distúrbios psíquicos e nervosos, tal como eu mesmo, e meus estudos metafísicos me ensinaram a ser bondoso. No silêncio, um som começou a vir da janela – talvez o vento noturno tivesse feito os vidros estalarem, e por alguma razão eu me assustei quase tanto quanto Erich Zann. Ao fim da leitura, apertei-lhe a mão e parti amigavelmente.

No dia seguinte Blandot me arranjou um cômodo mais caro no terceiro pavimento, entre os aposentos de um velho agiota e o apartamento de um respeitável estofador. Não havia ninguém no quarto pavimento.

Não demorou muito para eu descobrir que a ânsia de Zann por minha companhia não era tão grande quanto me parecera na ocasião em que me convenceu a me mudar do quinto piso. Não me pediu que o visitasse e, quando eu o procurei, me pareceu pouco à vontade e tocou sem emoção. Isso sempre acontecia à noite, pois durante o dia ele dormia e não recebia ninguém. Minha simpatia por ele não cresceu, conquanto o quarto no sótão e a música fantástica parecessem exercer sobre mim um estranho fascínio. Senti um desejo inexplicável de olhar, através daquela janela e por cima do muro, para o declive invisível e para os telhados e cumeeiras resplandecentes que haveria além dele. Numa ocasião, cheguei a subir ao sótão durante as horas do teatro, enquanto Zann não se achava no quarto, mas encontrei a porta fechada.

Só o que eu podia ouvir era a música noturna do velho mudo. No início, eu subia nas pontas dos pés até o quinto piso; depois adquiri coragem para galgar a escada rangente até o sótão no alto. Ali, no vestíbulo estreito, aquém da porta trancada, com o buraco da fechadura tapado, eu freqüentemente ouvia sons que me enchiam de um medo indefinido – medo de espantos vagos e mistérios latentes. Não porque os sons em si fossem terríveis – o que decerto não eram –, mas porque continham vibrações que sugeriam qualquer coisa de alheia a este planeta e porque, em certos intervalos, assumiam qualidades sinfônicas que dificilmente eu podia supor fossem produzidas por um único executante. Certamente Erich Zann era um gênio de força selvagem. Com o passar das semanas, a música se tornou mais selvagem, enquanto o velho musicista ia adquirindo um desleixo e uma furtividade lamentáveis de se ver. Agora, invariavelmente, se recusava a me receber e se esquivava de mim sempre que nos deparávamos nas escadas.

Então, certa noite, escutando através da porta, ouvi o ganido de uma viola ululante vibrar por entre uma babel caótica de sons, um pandemônio que me faria duvidar de minha sanidade abalada, não viesse de trás daquela porta fechada uma abominável prova de que o horror era real: o grito aterrador e inarticulado que só um mudo é capaz de emitir e que brota somente em momentos de medo e de angústia os mais terríveis. Bati insistentemente na porta, mas não tive resposta. Em seguida, aguardei, no vestíbulo escuro, a tremer de frio e de medo, até que captei os débeis esforços do músico para se levantar do soalho apoiando-se numa cadeira. Supondo que ele recuperava a consciência após um desmaio, voltei a bater na porta, ao mesmo tempo em que dizia que era eu quem chamava. Percebi que Zann cambaleou até a janela, fechou as rótulas e baixou a guilhotina; depois, ouvi-o claudicar até a porta, que abriu para minha passagem. Desta vez, mostrou real prazer em me ver, pois seu semblante conturbado se iluminou de alívio quando ele me puxou pelo casaco tal como uma criança se agarra às saias de sua mãe.

Tremendo pateticamente, o velho me fez sentar numa cadeira e ocupou uma outra, ao lado da qual jaziam a viola e o arco largados no chão. Permaneceu imóvel por algum tempo, balançando a cabeça, mas dando a paradoxal impressão de que ouvia intensa e medrosamente. Em seguida, pareceu satisfeito e, passando para a cadeira do outro lado da mesa, rabiscou uma nota breve, que me entregou, e se debruçou de novo, voltando a escrever rápida e incessantemente. Na nota, implorava-me que, por misericórdia e para sanar minha curiosidade, eu aguardasse enquanto ele preparava, em alemão, um relato completo de todas as maravilhas e horrores que o acossavam. Esperei, e o lápis do mudo correu.

Foi talvez uma hora mais tarde, enquanto eu ainda esperava e enquanto o velho músico empilhava folhas e mais folhas de papel escrito, que eu vi Zann se assustar como se ao impacto de um horrível sobressalto. Claramente, ele olhava para a janela coberta pelas cortinas e escutava entre tremores. Então supus eu mesmo ouvir algum som, embora não fosse nada horrível, mas, antes, uma nota musical lenta, distante e inusitada, a sugerir que alguém tocava numa das casas vizinhas ou nalgum recanto para além do muro alto por cima do qual eu jamais pudera olhar. O efeito sobre Zann foi terrível, pois que, deixando cair o lápis, se ergueu de súbito, agarrou a viola e começou a encher a noite de uma melodia selvagem que eu jamais ouvira de seu arco a não ser através da porta trancada.

Seria inútil descrever o modo de tocar de Erich Zann naquela noite pavorosa. Era mais horrível do que qualquer coisa que eu já lhe tinha escutado, porque agora eu podia ver a expressão de seu rosto e podia notar que o motivo era o medo mais agudo. Ele tentava produzir barulho, afastar qualquer coisa ou afogar qualquer coisa; o quê? – eu não podia imaginar, por mais apavorante que o supusesse. A execução se tornou fantástica, realmente histérica, e no entanto conservava algo das qualidades do gênio supremo de que eu sabia possuidor aquele homem velho. Reconheci os acordes – era, selvagemente, uma dança húngara popular nos teatros, e me dei conta de que era a primeira vez que eu ouvia Zann executar a obra de outro compositor.

Mais alto e mais alto, mais selvagem e mais selvagem, cresceu o uivo e o lamento daquela viola desesperada. Uma perspiração transbordante recobria o músico, que se contorcia como um macaco, sempre a olhar em desvario para a janela coberta. Em seus acordes frenéticos eu quase podia ver as sombras de sátiros e bacantes dançando e rodopiando numa agitação insana e abissal de nuvens e fumaça e relâmpagos. E então pensei ouvir uma nota mais aguda, mais firme, que não provinha da viola – uma nota calma, deliberada, propositada e zombeteira que vinha de longe, do oeste.


Nesse instante as rótulas começaram a chacoalhar ao vento ululante da noite, o qual pareceu elevar-se lá fora como se em resposta à música louca de dentro. Uivando, a viola de Zann se superava ao emitir sons que nunca pensei uma viola pudesse emitir. As rótulas chacoalharam mais alto, soltaram-se e passaram a bater contra a janela. Então o vidro se partiu sob os impactos persistentes, e o vento gelado penetrou no cômodo, fazendo oscilar a chama das velas e agitando as folhas de papel onde Zann dera início à narrativa de seu horrível segredo. Olhei para Zann e vi que estava fora de si. Seus olhos azuis se arregalavam, vítreos e desvairados, e a execução frenética pôs em curso uma orgia cega, mecânica, irreconhecível, que pena alguma poderá sequer sugerir.

Uma lufada súbita, mais forte que as outras, arrebatou o manuscrito e o atirou em direção à janela. Saltei desesperado no encalço das folhas, mas elas escaparam ao meu alcance através dos vidros partidos. Lembrei-me, então, de meu velho anseio de olhar pela janela, a única na Rue d’Auseil de que se podia enxergar a encosta para além do muro e a cidade que se estendia lá embaixo. Estava muito escuro, mas as luzes da cidade sempre brilhavam, e minha expectativa era avistá-las em meio ao vento e à chuva. No entanto, quando olhei pela janela daquele sótão altíssimo – olhei enquanto as velas tremulavam e a viola insana ululava ao vento noturno –, não vi cidade alguma se estender lá embaixo e nenhuma luz amigável brilhar nas ruas familiares, mas apenas a escuridão do espaço ilimitado, espaço inimaginável que o movimento e a música punham vivo, o qual não se assemelhava a nada na terra. E, enquanto permaneci a olhar, imerso no terror, o vento apagou ambas as velas daquela mansarda pinacular, imergindo-me numa treva bruta e impenetrável, com o caos e o pandemônio à minha frente e a loucura demoníaca daquela viola atrás de mim.

Recuei aos tropeços na treva, sem condições de acender qualquer luz, chocando-me contra a mesa, derrubando uma cadeira e finalmente alcançando às apalpadelas o lugar onde a escuridão urrava com a música estridente. Salvar a mim mesmo e a Erich Zann eu poderia ao menos tentar, não obstante as forças que se me opunham. Numa ocasião senti como se uma coisa gelada roçasse por mim e gritei, mas meu grito não podia superar o som da abominável viola. Súbito, em meio à treva, o infatigável arco bateu em mim, e então percebi que estava perto do violista. Tateei à minha frente, encontrei as costas da cadeira de Zann e então procurei seu ombro e o agitei, num esforço de trazê-lo de volta à razão.

Ele não me respondeu, e a viola incansável continuou a zunir. Levei a mão até sua cabeça, cujos acenos mecânicos não havia como parar, e gritei ao seu ouvido que precisávamos fugir das coisas ignotas da noite. Mas ele não me respondeu nem amenizou o frenesi de sua música indescritível; enquanto isso, por todo o sótão estranhas correntes de vento pareciam dançar na treva e no caos. Quando minha mão tocou em sua orelha, estremeci, embora sem saber por que – sem saber por que, até que senti a face imóvel, a face rígida e sem respiração, cujos olhos vidrados se arregalavam em vão no vazio. E então, por um milagre, achando a porta e a grande trave de madeira, me arrastei doidamente para fora, fugindo à coisa de olhos vítreos que havia na escuridão e do uivo espectral daquela viola maldita cuja força cresceu enquanto eu me arrastava.

Saltar, flutuar, voar por aqueles infindáveis degraus abaixo através da escuridão da casa; correr desvairadamente pelas ruas estreitas, íngremes e antigas, feitas de degraus e cercadas de casas decadentes; pular sobre os degraus e as pedras do calçamento em direção às ruas baixas e ao rio pútrido e profundo, ofegar através da grande ponte negra em direção às ruas mais largas e saudáveis e aos bulevares conhecidos, tudo isso são terríveis impressões que sobrevivem em mim. Tudo o que lembro é que não havia vento nem lua e que todas as luzes da cidade tremulavam.

A despeito de minhas buscas e investigações mais diligentes, jamais consegui achar a Rue d’Auseil. Mas não o lamento de todo: nem isso nem a perda, em abismos inimagináveis, das folhas de papel que, numa escrita cerrada, poderiam ter explicado a música de Erich Zann.

A Cor Que Caiu do Espaço - H.P Lovecraft



A oeste de Arkhan as colinas se erguem intocadas, e há vales com florestas profundas que nenhum machado jamais tocou. Há talvegues escuros e estreitos onde as árvores se inclinam fantasticamente e onde estreitos córregos fluem lentamente sem jamais terem vislumbrado a luz do sol. Nas suaves elevações existem fazendas, antigas e pedregosas, com chalés baixos, largos e cobertos de musgo lucubrando eternamente antigos segredos da Nova Inglaterra sob o abrigo de grandes encostas; mas estes estavam vazios agora, as largas chaminés desmoronando e as paredes de tábuas sobrepostas curvando perigosamente sob baixos telhados gambrel.

O antigo povo se foi, e forasteiros não gostam de viver lá. Franco-canadenses tentaram, italianos tentaram, e os polacos vieram e partiram. Não é por causa de nada que pode ser visto ou ouvido ou tocado, mas devido a algo que é imaginado. O local não é bom para a imaginação, e não traz sonhos tranquilos à noite. Deve ser isto que mantém afastados os forasteiros, pois o velho Ammi Pierce nunca contou a eles nada do que se recorda dos dias estranhos. Ammi, cuja cabeça tem estado um pouco esquisita há anos, é o único que ainda lembra ou mesmo fala dos dias estranhos; e ele ousa fazê-lo por sua casa ser tão próxima aos campos abertos e às estradas em uso ao redor de Arkham.

Existira outrora uma estrada sobre as colinas e através dos vales, que seguia diretamente por onde hoje é o ermo maldito; mas as pessoas pararam de utilizá-la e uma nova estrada foi feita com ampla curva em direção ao sul. Traços da antiga estrada ainda podem ser encontrados entre os arbustos do ambiente selvagem que se reconstituía, e alguns deles sem dúvida permaneceriam mesmo quando metade dos vales fosse inundada para o novo reservatório. Então as florestas escuras serão derrubadas e a ermo maldito adormecerá bem abaixo das águas azuis cuja superfície irá refletir o céu e ondular sob o sol. E os segredos dos dias estranhos serão um com os segredos das profundezas; um com a sabedoria oculta do antigo oceano, e todo o mistério da terra primitiva.

Quando eu adentrei as colinas e vales para prospectar para o novo reservatório me disseram que o lugar era maligno. Eles me disseram isto em Arkham, e por ela ser uma cidade muito antiga cheia de lendas de bruxas eu pensei que o mal deveria ser algo que as avós sussurravam às crianças através dos séculos. O nome “ermo maldito” me pareceu bastante estranho e teatral, e eu fiquei curioso para saber como veio a fazer parte do folclore de um povo Puritano. Então eu vi pessoalmente o escuro emaranhado de talvegues e declives a oeste, e parei de pensar em qualquer coisa além de seu próprio antigo mistério. Era manhã quando o vi, mas sombras sempre se esgueiravam por lá. Havia silêncio demais nos escuros vales entre eles, e o solo era macio demais com o musgo úmido e a forração de infinitos anos de apodrecimento.

Nos espaços abertos, principalmente ao longo da linha da antiga estrada, havia pequenas fazendas no lado das colinas; algumas vezes com todas as construções em pé, algumas vezes com apenas uma ou duas, e outras com apenas uma solitária chaminé ou porão. Ervas-daninhas e arbustos espinhentos reinavam, e coisas selvagens furtivas estrepitavam na vegetação rasteira. Sobre tudo existia um ar de inquietude e opressão; um toque do irreal e do grotesco, como se algum elemento vital da perspectiva ou do chiaroscuro estivesse errado. Eu não me surpreendi que os forasteiros não permanecessem, pois esta não era uma região na qual dormir. Era parecida demais com uma paisagem de Salvator Rosa; muito parecida com alguma xilogravura proibida em uma história de terror.

Mas mesmo tudo isso não era tão ruim quando o ermo maldito. Eu soube disso no momento em que cheguei a ele no fundo de um vale espaçoso; pois nenhum outro nome poderia descrever tal coisa, ou qualquer outra coisa se encaixaria em tal nome. Era como se o poeta tivesse cunhado a frase ao ter visto esta região única. Deveria ser, pensei quando a vi, o resultado de um incêndio; mas porque nada novo jamais crescera nestes cinco acres de desolação cinzenta que se espalhava aberto sob o céu como um grande ponto corroído por ácido nas florestas e campos? Ficava principalmente ao norte da linha da antiga estrada, mas invadia um pouco o outro lado. Eu senti uma estranha relutância em me aproximar, e o fiz finalmente porque meu trabalho me lavava através e além dele. Não havia vegetação de nenhum tipo naquela ampla vastidão, mas apenas uma fina poeira cinzenta ou cinzas que nenhum vento parecia jamais espalhar. As árvores próximas a ele eram doentias e mal desenvolvidas, e muitos troncos mortos estavam em pé ou caído apodrecendo na orla. Enquanto eu atravessava apressadamente vi os tijolos e pedras caídos de uma antiga chaminé e porão à minha direita, e a cavernosa boca escura de um poço abandonado cujos vapores estagnados pregavam estranhas peças com os tons da luz do sol. Mesmo a elevação longa, escura e cheia de árvores além parecia bem-vinda em comparação, e eu não me mais me assombrei com os murmúrios assustados do povo de Arkham. Não havia casa ou ruína próximas; mesmo nos dias antigos o lugar deve ter sido solitário e remoto. E ao crepúsculo, temendo passar novamente por aquele ponto agourento, eu tomei o caminho mais longo e tortuoso para a cidade através da estranha estrada ao sul. Eu desejei vagamente que algumas nuvens se aglomerassem, pois um estranho acanhamento com relação aos profundos vazios celestes acima havia invadido minha alma.

Ao anoitecer eu perguntei ao antigo povo em Arkham sobre o ermo maldito e o que se queria dizer com a frase “dias estranhos” a qual tantos evasivamente resmungavam. Eu não pude, contudo, obter nenhuma boa resposta exceto que todo o mistério era muito mais recente do que eu imaginara. Não era uma questão de velhas lendas, afinal, mas algo que aconteceu durante a vida daqueles que falavam. Acontecera nos anos oitenta, e a família desaparecera ou fora morta. Quem falava não era exato; e porque todos me diziam para não prestar atenção às histórias loucas do velho Ammi Pierce eu o procurei na manhã seguinte, tendo ouvido que ele morava sozinho no antigo e instável chalé que ficava onde as árvores começam a se tornar numerosas. Era um lugar aterrorizantemente antigo, e havia começado a exalar o débil odor miasmal que se agarra ao redor de casas que permaneceram de pé por tempo demais. Apenas com batidas persistentes na porta eu pude despertar o idoso, e quando ele timidamente abriu a porta eu pude perceber que ele não estava feliz em me ver. Ele não era tão frágil quanto eu esperava; mas seus olhos pendiam de uma forma curiosa, e sua vestimenta mal cuidada e barba branca faziam-no parecer bastante cansado e abatido.

Não sabendo a melhor forma como ele poderia ser levado a começar suas histórias eu inventei um assunto de negócios; contei a ele sobre minha prospecção e fiz perguntas vagas sobre o distrito. Ele era bem mais inteligente e mais cultodo que eu havia sido levado a imaginar e antes que eu percebesse ele já havia entendido tanto sobre o assunto quanto qualquer outro homem com quem eu conversara em Arkham. Ele não era como os outros rústicos que eu havia conhecido nas seções onde os reservatórios ficariam. Dele não partiram protestos com relação às milhas de antigas florestas e fazendas que seriam obliteradas, embora talvez tivesse havido se a casa dele não estivesse fora dos limites do futuro lago. Alívio era tudo que ele mostrava; alívio com a sina dos antigos vales escuros através dos quais ele vagara durante toda a vida. Eles ficariam melhores sob a água agora – melhores sob a água, desde os dias estranhos. E com esta introdução sua voz rouca ficou mais baixa e seu corpo pendeu para frente e seu indicador direito começou a apontar de forma trêmula e impressionante.

Foi então que ouvi a história, e enquanto a voz irregular seguia arranhando e murmurando eu estremeci vezes e vezes apesar do dia de sol. Frequentemente eu tive que tirar o narrador de divagações, ampliar pontos científicos que ele conhecia apenas a partir de esvaecentes memórias-de-papagaio da falação de professores, ou preencher lacunas onde seu senso de lógica e continuidade falhava. Quando ele terminou não me admirava que sua mente tenha perdido um pouco a razão ou que o povo de Arkham não falasse muito do ermo maldito. Eu me apressei a retornar a meu hotel antes do pôr-do-sol, não querendo que as estrelas surgissem sobre minha cabeça em aberto; e no dia seguinte retornei a Boston para desistir da minha posição. Eu não poderia ir àquele obscuro caos das antigas florestas e elevações novamente ou encarar outra vez aquele ermo maldito onde o poço negro de abria profundamente ao lado dos tijolos e pedras caídos. O reservatório seria construído logo e todos aqueles antigos segredos estarão a salvo para sempre sob as braças de água. Mas mesmo então eu não acredito que gostaria de visitar aquela região à noite – ao menos não quando as sinistras estrelas estiverem aparecendo; e nada poderia me convencer a tomar a nova água da cidade de Arkham.

Tudo começou, o velho Ammi disse, com o meteorito. Antes daquele tempo não havia lendas fantásticas desde o julgamento das bruxas, e mesmo então estas florestas do oeste não eram temidas a metade do que a pequena ilha no Miskatonic onde o demônio manteve corte ao lado de um curioso altar solitário mais antigo que os Índios. Estas não eram florestas assombradas, e suas fantástica escuridão crepuscular não era terrível até os dias estranhos. Então chegou aquela nuvem branca ao meio-dia, aquela sequência de explosões no ar, e aquele pilar de fumaça do vale bem dentro da floresta. E à noite toda Arkham ouvira sobre a grande rocha que caiu do céu e alojou-se no solo ao lado do poço na propriedade de Nahum Gardner. Essa era a casa que ficava aonde o ermo maldito veio a ser – a limpa e organizada casa branca de Nahum Gardner entre seus férteis jardins e pomares.

Nahum fora à cidade contar às pessoas sobre a pedra, e parou na casa de Ammi Pierce no caminho. Ammi tinha então quarenta anos, e todas as coisas inusitadas ficaram muito fortemente fixadas em sua mente. Ele e sua esposa acompanharam três professores da Universidade Miakatonic que se apressaram na manhã seguinte para ver o estranho visitante do espaço estelar desconhecido, e se perguntaram porque Nahum dissera que era tão grande no dia anterior. Ele encolheu, Nahum disse enquanto apontava o grande monte amarronzado acima da terra partida e grama chamuscada perto do arcaico poço que ficava em seu jardim da frente; mas os sábios homens responderam que pedras não encolhem. Seu calor se mantinha persistentemente, e Nahum declarou que ele brilhara levemente à noite. Os professores a testaram com um martelo de geólogo e descobriram que era estranhamente macio. Era, na verdade, tão macio que parecia quase de plástico; e eles rasparam ao invés de lascarem uma amostra para levar de volta à universidade para testes. Eles o levaram em um velho balde emprestado da cozinha de Nahum, pois mesmo um pequeno pedaço se recusava a esfriar. Na viagem de volta eles pararam no Ammi para descansar, e pareceram pensativos quando a Sra. Pierce afirmou que o fragmento estava diminuindo e queimando o fundo do balde. De fato não era grande, mas talvez eles tenham pegado menos do que imaginavam.

O dia após isso – tudo isto ocorrera em junho de 82 – os professores se bandearam novamente em grande excitação. Quando passaram pela casa de Ammi contaram as coisas inusitadas que a amostra havia feito, e como ela sumiu completamente quando a colocaram em um béquer de vidro. O béquer se fora também, e os sábios comentavam sobre a estranha afinidade da rocha por silicone. Ela havia agido de forma bastante inacreditável naquele laboratório bem ordenado; não fazendo absolutamente nada e não mostrando nenhum gás ocluído quando aquecido com carvão, sendo completamente negativo na pérola de bórax e logo se provando ser absolutamente não-volátil em qualquer temperatura produzível, incluindo aquela do maçarico de oxi-hidrogênio. Em uma bigorna ele parecia altamente maleável, e no escuro sua luminosidade era bem marcada. Teimosamente se recusando a esfriar, logo pôs a universidade em um estado de verdadeiro excitamento; e quando sob aquecimento à frente do espectroscópio mostrou faixas coloridas como nenhuma das cores conhecidas do espectro normal houve muito falatório sobre novos elementos, propriedades ópticas bizarras e outras coisas que homens da ciência perplexos costumam dizer quando confrontados pelo desconhecido.

Quente como era, eles o testaram em um cadinho com todos os devidos reagentes. Água não fez nada. Ácido hidroclorídrico da mesma forma. Ácido nítrico e mesmo água régia meramente sibilaram e respingaram contra sua tórrida invulnerabilidade. Ammi tinha dificuldade em relembrar todas estas coisas, mas reconheceu alguns solventes quando os mencionei na ordem normal de uso. Havia amônia e soda cáustica, álcool e éter, nauseante dissulfeto de carbono e uma dúzia de outros; mas embora o peso estivesse diminuindo constantemente com o passar do tempo, e o fragmento parecesse estar esfriando levemente, não havia alteração nos solventes que demonstrasse que haviam atacado a substância. Era um metal, contudo, sem dúvida. Era magnético, por exemplo; e após sua imersão em solventes ácidos surgiu o que pareceu serem leves traços do padrão de Widmanstätten encontrados em ferro meteórico. Quando o esfriamento aumentou consideravelmente, os testes foram realizados em um vidro; e foi em um béquer de vidro que eles deixaram todos os pedaços feitos a partir do fragmento original durante o trabalho. Na manhã seguintes tanto os pedaços quanto o béquer haviam sumido sem deixar traço, e apenas uma marca chamuscada marcava o local na prateleira de madeira onde haviam estado.

Tudo isto os professores contaram a Ammi quando pararam à sua porta, e mais uma vez ele foi com eles para ver o mensageiro pétreo das estrelas, embora desta vez sua esposa não o tenha acompanhado. Ele tinha agora certamente diminuído, e mesmo os sóbrios professores não podiam duvidar da verdade do que haviam visto. Tudo ao redor da minguante informe massa marromperto do poço era um espaço vazio, exceto onde a terra havia cedido; e embora tenha tido uns bons sete pés de diâmetro no dia anterior, tinha agora mal-e-mal cinco. Ele continuava quente, e os sábios estudaram sua superfície curiosamente enquanto retiraram outro pedaço, maior, com o martelo e cinzel. Eles cortaram profundamente desta vez, e enquanto eles separavam a massa menor eles viram que o núcleo da coisa não era totalmente homogêneo.

Eles haviam descoberto o que parecia ser o lado de um grande glóbulo colorido incrustado na substância. A cor, que lembrava algumas das faixas no estranho espectro do meteoro, era quase impossível de descrever; e foi apenas por analogia que eles chamaram aquilo de cor. Sua textura era lisa e brilhante, e ao ser cutucada ela pareceu ser tanto frágil quanto oca. Um dos professores deu-lha um vigoroso golpe com o martelo, e ela se partiu com um nervoso pequeno estalo. Nada foi emitido, e todos os traços da coisa desapareceram com a perfuração. Ela deixou para trás um espaço esférico vazio com cerca de três polegadas de diâmetro, e todos pensaram ser provável que outras seriam descobertas enquanto a substância que as encerrava se esvaía.

A conjectura era vã; assim, depois de uma tentativa inútil de encontrar glóbulos adicionais através de perfurações, os exploradores partiram novamente com sua nova amostra a qual se provou, contudo, tão desconcertante no laboratório quanto sua predecessora. À parte ser quase plástica, ter calor, magnetismo, uma leve luminosidade, esfriar levemente em ácidos poderosos, possuir um espectro desconhecido, se esvair no ar e atacar compostos de silicone com destruição mútua como resultado, ela não apresentou quaisquer características identificáveis; e ao fim dos testes os cientistas da universidade foram forçados a admitir que eles não podiam classificá-la. Não era nada desta terra, mas um pedaço do grande espaço exterior; e como tal dotado de propriedades exteriores e obediente a leis exteriores.

Naquela noite houve uma tempestade de raios, e quando os professores voltaram à casa de Nahum no dia seguinte eles se depararam com um amargo desapontamento. A rocha, magnética como tinha sido, devia ter alguma propriedade elétrica peculiar; pois ela tinha “puxado os raios”, como Nahum disse, com persistência singular. Seis vezes em uma hora o fazendeiro viu raios atingirem o sulco no jardim da frente, e quando a tempestade acabou nada exceto um buraco irregular sobrara perto do antigo poço, meio coberto com a terra que havia cedido. Cavar não deu frutos, e os cientistas confirmaram o fato do completo desaparecimento. A falha era total; então não havia nada mais a fazer além de retornar ao laboratório e testar novamente o esvanecente fragmento deixado cuidadosamente encerrado emchumbo. Aquele fragmento durou uma semana, ao final da qual nada de valor havia sido aprendido a partir dele. Quando se foi, nenhum resíduo ficou para trás, e com o passar do tempo os professores se sentiram não muito certos que de fato haviam visto com olhos acordados aquela críptico vestígio dos imensuráveis abismos exteriores; aquela mensagem solitária e estranha de outros universos e outros reinos da matéria, força e existência.

Como era natural, os jornais de Arkham deram grande importância ao incidente devido ao seu patrocínio universitário, e enviaram repórteres para falar com Nahum Gardner e sua família. Pelo menos um jornal diário de Boston enviou um apurador, e Nahum rapidamente se tornou um tipo de celebridade local. Ele era uma pessoa magra e amigável de aproximadamente cinquenta anos, vivendo com sua esposa e três filhos na prazerosa fazendo no vale. Ele e Ammi trocavam visitas frequentemente, assim como suas esposas; e Ammi não tinha nada a não ser elogios a ele após estes anos. Ele parecia levemente orgulhoso da atenção que seu lugar havia atraído, e falava frequentemente sobre o meteorito nas semanas seguintes. Aqueles julho e agosto foram quentes; e Nahum trabalhou pesado na fenação de seu pasto de dez acres além do Riacho de Chapman; sua barulhenta carroça deixando sulcos marcados nas sombreadas veredas entremeadas. O trabalho o cansou mais do que nos outros anos, e ele sentiu que a idade começara a afetá-lo.

Então veio o tempo da frutificação e colheita. As pêras e maçãs amadureceram lentamente, e Nahum jurou que seus pomares estavam prosperando como nunca antes. As frutas estavam crescendo a tamanho fenomenais e brilho extraordinário, e em tal abundância que barris extras foram ordenados para lidar coma futura colheita. Mas com o amadurecimento veio o doloroso desapontamento, pois de toda aquela esplêndida coleção de enganadoras delícias nem o mínimo pedaço era comível. No suave sabor das pêras e maçãs havia penetrado uma insidiosa amargueza e doentilidade, de forma que mesmo as menores mordidas provocavam uma náusea duradoura. Era o mesmo com os melões e tomates, e Nahum tristemente viu que sua safra inteira estava perdida. Rápido em conectar os eventos, ele declarou que o meteorito havia envenenado o solo, e agradeceu aos Céus que a maior parte de suas outras plantações estava no lote mais acima ao lado da estrada.

O inverno chegou cedo, e foi muito frio. Ammi via Nahum menos do que o normal e reparou que ele começou a parecer preocupado. O restante de sua família também, parecendo terem ficado mais taciturnos; e estavam longe de constantes em suas idas à igreja ou participação nos vários eventos sociais do campo. Para esta reserva ou melancolia nenhuma causa pode ser encontrada, embora todos os moradores da casa admitissem de quando em quando uma saúde piorada e uma sensação de vaga inquietação. O próprio Nahum fez a afirmação mais precisa dentre todos quando ele disse que estava perturbado com relação a certas pegadas na neve. Elas eram as usuais pegadas de inverno de esquilos vermelhos, coelhos brancos e raposas, mas o pensativo fazendeiro afirmava ver alguma coisa não muito certa sobre sua natureza e disposição. Ele nunca era específico, mas parecia pensar que elas não eram mais tão características da anatomia e hábitos de esquilos e coelhos e raposas como costumavam ser. Ammi escutava sem interesse a este falatório até que uma noite quando passou pela casa de Nahum em seu trenó voltando do Clark’s Corner. Não havia lua, e um coelho atravessou a estrada correndo, e os saltos daquele coelho eles mais longos do que Ammi ou seu cavalo gostariam. Este último, de fato, quase disparou quando forçado a parar por uma rédea firme. A partir daí Ammi deu mais respeito às histórias de Nahum, e se perguntou porque os cachorros de Gardner pareciam tão acuados e trêmulos a cada manhã. Eles tinham, como se verificou, quase perdido a vontade de latir.

Em fevereiro os meninos McGregor de Meadow Hill estavam caçando marmotas, e não longe da propriedade de Gardner eles apanharam um espécime bastante peculiar. As proporções de seu corpo pareciam levemente alteradas de alguma maneira esquisita impossível de descrever, enquanto sua face tinha uma expressão que ninguém havia visto em uma marmota antes. Os meninos ficaram genuinamente assustados e jogaram a coisa fora imediatamente, de forma que apenas histórias grotescas dele chegaram às pessoas do campo. Mas a hesitação dos cavalos próximo à casa de Nahum se tornara então uma coisa reconhecida, e toda a base para um ciclo de lendas sussurradas estava rapidamente tomando forma.

Pessoas juravam que a neve tinha derretido mais rápido ao redor da casa de Nahum do que em qualquer outro lugar, e logo no começo de março ocorreu uma estupefata discussão no armazém do Potter no Clark’s Corners. Stephen Rice havia cavalgado passando pela casa de Gardner na manhã e notado os repolhos-gambá surgindo da lama na floresta cruzando a estrada. Nunca coisas deste tamanho haviam sido vistas, e elas tinham cores estranhas que não poderiam ser descritas em palavras. Suas formas eram monstruosas e o cavalo havia resfolegado devido a um odor o qual atingira Stephen como completamente sem precedentes. Naquela tarde várias pessoas passaram por lá para ver o crescimento anormal, e todos concordaram que plantas daquele tipo nunca deveriam ter brotado em um mundo saudável. Os frutos ruins do outono anterior eram livremente mencionados, e passou de boca em boca que havia veneno no terreno de Nahum. Claro que fora o meteorito: e relembrando quão estranha os homens da universidade descobriram ser a pedra, vários fazendeiros falaram sobre o assunto com eles.

Um dia eles fizeram uma visita a Nahum; mas não tendo nenhum apreço por histórias fantásticas foram bastante conservadores com relação ao que concluíram. As plantas eram certamente estranhas, mas todos os repolhos-gambá são mais ou menos estranhos na forma e cor. Talvez algum elemento mineral da rocha tenha entrado no solo, mas ele logo seria lavado do solo. E como relação às pegadas e os cavalos assustados – certamente eram apenas falatórios do interior que um fenômeno tal como o aerólito certamente iniciaria. Não havia realmente nada para homens sérios fazer em casos de boatos desenfreados, pois rústicos supersticiosos irão dizer e acreditar em qualquer coisa. E desta forma durante todos os dias estranhos os professores ficaram de fora, desdenhosamente. Apenas um deles, quando dado dois frascos de pó para análise em um trabalho da polícia mais de um ano e meio depois, relembrou que a cor esquisita dos repolhos-gambá havia sido bem parecida com as faixas de luz anômalas apresentadas pelo fragmento de meteoro no espectrômetro da universidade, e como o frágil glóbulo encontrado incrustado na rocha vinda do abismo. As amostras nesta análise apresentaram as mesmas faixas estranhas a princípio, embora mais tarde tenham perdido esta propriedade.

As árvores floresceram prematuramente ao redor da propriedade de Nahum, e à noite eles balançavam ameaçadoramente. O segundo filho de Nahum, Thaddeus, um rapaz de quinze anos, jurou que elas balançavam também quando não havia vento; mas mesmo os rumores não levaram isso em conta. Certamente, contudo, inquietude estava no ar. A família Gardner inteira desenvolveu o hábito de ouvir furtivamente, embora não por nenhum som os quais eles pudessem conscientemente nomear. O ouvir era, de fato, um produto de momentos quando a consciência parecia meio que divagar. Infelizmente tais momentos aumentavam de semana para semana, até que se tornou fala comum que “alguma coisa estava errada com o pessoal do Nahum”. Quando as primeiras saxifragas surgiram tinham outra cor estranha; não exatamente como aquela dos repolhos-gambá, mas claramente relacionada e igualmente desconhecida a todos que a viram. Nahum levou algumas florescências a Arkham e as mostrou ao editor do Gazette, mas este dignitário não fez mais do que escrever um artigo humorístico sobre elas, no qual os temores sombrios dos rústicos foram apresentados com educada ridicularização. Foi um erro de Nahum contar a um impassivo homem da cidade sobre a maneira que as grandes e supercrescidas borboletas antíope se comportavam em conexão com estes saxifragas.

Abril trouxe uma espécie de loucura ao povo do interior, e iniciou o desuso da estrada que passava pela casa de Nahum que culminou com seu total abandono. Foi a vegetação. Todas as árvores do pomar floresceram em estranhas cores, e por todo o solo pedregoso do jardim e pasto adjacente cresceram coisas as quais apenas um botânico poderia conectar com a flora própria da região. Nenhuma cor sã e saudável poderia ser vista em qualquer lugar exceto na grama verde e na folhagem; mas em todos os lugares existiam estas variantes caóticas e prismáticas de algum tom primário enfermo e fundamental sem lugar entre as matizes conhecidas da terra. As “calções-de-holandês” se tornaram um tipo de ameaça sinistra, e as sanguinárias cresciam insolentes em suas perversões cromáticas. Ammi e os Gardners achavam que a maioria das cores tinha uma espécie de familiaridade assombrosa, e concluíram que ela lembrava um dos frágeis glóbulos dentro do meteoro. Nahum arou e semeou o pasto de dez acres no lote de cima, mas não fez nada com a terra ao redor da casa. Ele estava preparado para quase qualquer coisa agora, e se acostumara com a sensação de algo próximo a ele aguardando para ser ouvido. O fato dos vizinhos estarem evitando sua casa afetou-o mal, claro; mas teve efeito ainda pior na sua esposa. Os meninos estavam em melhor condição, por irem à escola todo dia; mas eles não podiam evitar ficarem assustados pelos rumores. Thaddeus, um rapaz especialmente sensível, foi o que mais sofreu.

Em maio vieram os insetos, e a propriedade do Nahum tornou-se um pesadelo de zumbidos e rastejares. A maioria das criaturas não parecia muito comum em seus aspectos e movimentos, e seus hábitos noturnos contradiziam toda as experiências anteriores. Os Gardner desenvolveram o hábito de observar à noite – olhar em todas as direções aleatoriamente por alguma coisa – eles não conseguiam dizer o que. Foi então que eles admitiram que Thaddeus estava certo com relação ás árvores. A Sra. Gardner foi a próximas a vê-las da janela enquanto observava os inchados ramos de um bordo contra o céu enluarado. Os ramos certamente se moveram, e não havia vento. Devia ser a seiva. Estranheza tinha entrado em tudo que crescia, então. Mesmo assim não foi ninguém da família de Nahum quem fez a próxima descoberta. A familiaridade os havia tornado insensíveis, e o que eles não podiam ver foi vislumbrado por um tímido vendedor de moinhos-de-vento vindo de Bolton que passou por ali uma noite ignorando as lendas do interior. O que ele contou em Arkham foi citado como um curto parágrafo no Gazette; e foi lá que todos os fazendeiros, incluindo Nahum, souberam do fato. A noite tinha sido escura e os lampiões da charrete fracos, mas ao redor da fazenda no vale que todos sabiam pela descrição ser o de Nahum, a escuridão havia sido menos intensa. Uma débil embora distinta luminosidade parecia inerente em toda a vegetação, grama, folhas e florescências indistintamente, enquanto a certo momento um pedaço destacado de fosforescência pareceu mover-se furtivamente no jardim próximo ao celeiro.

O gramado parecia até então intocado, e as vacas era livremente pastoreadas no lote próximo a casa, mas para o fim de maio o leite começou a ficar ruim. Então Nahum conduziu as vacas para as terras altas, após o que os problemas cessaram. Não muito depois disso a mudança na grama e na folhagem se tornou aparente aos olhos. Toda a verdura estava ficando cinza, e estava desenvolvendo uma qualidade altamente singular de fragilidade. Ammi era agora a única pessoa que ainda visitava o lugar, e suas visitas estavam se tornando mais e mais raras. Quando a escola fechou os Gardners foram virtualmente isolados do mundo e algumas vezes deixavam Ammi cumprir suas incumbências na cidade. Eles estavam fraquejando tanto física quando mentalmente, e ninguém se surpreendeu quando as notícias sobre a loucura da Sra. Gardner começaram a surgir.

Aconteceu em junho, aproximadamente no aniversário da queda do meteoro, e a pobre mulher gritava sobre coisas no ar que ela não conseguia descrever. Em seus delírios não havia um único nome específico, mas apenas verbos e pronomes. Coisas se moviam e mudavam e esvoaçavam, e os ouvidos zuniam devido a impulsos os quais não eram sons completos. Alguma coisa fora tirado dela – ela estava sendo drenada de algo – alguma coisa que não deveria existir estava se alimentando dela – alguém precisava mantê-lo longe – nada jamais ficava parado à noite – as paredes e janelas mudavam de lugar. Nahum não a enviou ao asilo do distrito, mas a deixou perambular pela casa enquanto fosse inofensiva para si mesma e para os outros. Mesmo quando a expressão dela mudou ele não fez nada. Mas quando os garotos ficaram com medo dela, e Thaddeus quase desmaiou por causa da maneira com que ela o encarava, Nahum decidiu mantê-la trancada no ático. Em julho era havia parado de falar e rastejava de quatro, e antes do fim do mês Nahum adquiriu a louca noção de que ela era levemente luminosa no escuro, assim como ele claramente via agora que era o caso com a vegetação próxima.

Foi um pouco antes disso que os cavalos fugiram em pânico. Alguma coisa os agitara durante a noite, e seus relinchos e chutes em suas baias haviam sido terríveis. Não parecia haver virtualmente nada a fazer para acalmá-los, e quando Nahum abriu a porta do estábulo eles todos dispararam para fora como cervos da floresta assustados. Levou uma semana para rastrear todos os quatro, e quando encontrados se mostraram completamente inúteis e incontroláveis. Algo havia se rompido em seus cérebros, e cada um teve de ser sacrificado para seu próprio bem. Nahum emprestou um cavalo de Ammi para sua fenação, mas descobriu que ele não se aproximaria do estábulo. Ele se retraiu, empacou, relinchou e afinal ele não pode fazer nada além de conduzi-lo ao jardim enquanto os homens usavam a própria força para levar a pesada carroça perto o suficiente da pilha de feno para serem recolhidos mais convenientemente. E enquanto tudo isso acontecia a vegetação estava se tornando cinza e quebradiça. Mesmo as flores cujas tonalidades haviam sido tão estranha estavam se acinzentando agora, e as frutas estavam crescendo cinzentas e acanhadas e sem gosto. As aster e solidagos floresceram cinza e distorcidas, e as rosas e zínias e malvas do jardim da frente eram coisas com aparência tão blasfema que o filho mais velho de Nahum, Zenas, as cortou. Os insetos estranhamente inchados morreram por volta desta época, mesmo as abelhas que haviam deixado suas colméias e levadas à floresta.

Em setembro toda a vegetação estava se desfazendo rapidamente em um pó acinzentado, e Nahum temia que as árvores morressem antes que o veneno estivesse fora do solo. Sua esposa agora tinha surtos de terríveis gritos, e ele e os meninos estavam em um constante estado de tensão nervosa. Eles agora evitam as pessoas, e quando a escola abriu os meninos não foram. Mas foi Ammi, em uma de suas raras visitas, quem primeiro se deu conta que a água do poço não estava mais boa. Ela tinha um gosto maligno que não era exatamente fétido nem exatamente salgado, e Ammi aconselhou o amigo a escavar outro poço em terreno mais alto para usar até quando o solo estivesse bom novamente. Nahum, contudo, ignorou o alerta, pois ele agora havia se tornado insensibilizado com relação a coisas estranhas e desagradáveis. Ele e os meninos continuaram a usar o suprimento contaminado, tomando dele tão apática e mecanicamente quanto comiam suas refeições deficientes e mal-cozidas e realizam suas tarefas diárias ingratas e monótonas através dos dias sem sentido. Havia algo de uma sólida resignação neles, como se eles tivessem entrado metade em outro mundo entre as linhas de guardas sem nome para uma sina familiar e certa.

Thaddeus ficou louco em setembro após uma visita ao poço. Ele fora com um balde e voltara de mãos vazias, gritando e sacudindo os braços, algumas vezes caindo em um estado de risadinhas vazias ou sussurros sobre “as cores movediças lá embaixo”. Dois em uma família era bastante ruim, mas Nahum foi bastante valente com relação a isso. Ele deixou o garoto vagar livremente por uma semana até ele começar a tropeçar e se machucar, e então ele o prendeu em um quarto no ático em frente ao quarto de sua mãe. A maneira que gritavam um com outro por detrás de suas portas trancadas era bastante terrível, especialmente para o pequeno Merwin, que imaginou que eles conversavam em alguma língua terrível que não era da terra. Merwin estava ficando aterrorizantemente imaginativo, e sua inquietude ficou pior após o isolamento de seu irmão o qual havia sido seu maior colega de brincadeiras.

Quase ao mesmo tempo começou a mortalidade entre os animais. As aves se tornaram acinzentadas e morreram rapidamente, a carne verificou-se seca e repugnante quando cortada. Os porcos cresceram excessivamente gordos, então repentinamente começaram a passar por mudanças revoltantes que ninguém podia explicar. A carne era obviamente inútil, e Nahum estava no fim de seu juízo. Nenhum veterinário rural se aproximaria de sua propriedade, e o veterinário da cidade vindo de Arkham estava abertamente desconcertado. Os suínos começaram a ficar cinzentos e frágeis e partir em pedaços antes de morrerem, e seus olhos e focinhos desenvolveram alterações singulares. Era bastante inexplicável, pois eles nunca haviam sido alimentados com a vegetação contaminada. Então alguma coisa atingiu as vacas. Certas áreas ou algumas vezes o corpo todo ficavam estranhamente ressecadas ou comprimidas e colapsos atrozes ou desintegrações eram comuns. Nos últimos estágios – e morte sempre era o resultado – ocorria um acinzentamento e uma fragilidade como a que atingira os porcos. Não podia haver a questão do veneno, pois todos os casos ocorreram em um estábulo fechado e imperturbado. Mordida nenhuma de coisas furtivas poderiam ter trazido o vírus, pois qual besta viva da terra poderia passar por obstáculos sólidos? Deve ser apenas uma doença natural – mesmo assim qual doença poderia desencadear tais resultados estava além do palpite de qualquer um. Quando a colheita chegou não havia nenhum animal sobrevivente na propriedade, pois os animais e aves haviam morrido e os cães fugiram. Estes cães, três em número, sumiram todos numa noite e nunca mais foram vistos novamente. Os cinco gatos partiram algum tempo antes, mas seus sumiços mal foram notados uma vez que agora não pareciam existir ratos, e apenas a Sra. Gardner havia feito dos graciosos felinos animais de estimação.

No décimo-nono dia de outubro Nahum cambaleou casa de Ammi adentro com notícias hediondas. A morte veio ao pobre Thaddeus em seu quarto no ático, e viera de uma forma a qual não poderia ser descrita. Nahum cavou uma sepultura no terreno cercado da família atrás da fazenda, e colocou nela o que encontrara. Não poderia ter sido nada de fora, pois a pequena janela bloqueada e a porta trancada estavam intactas; mas aconteceu como no estábulo. Ammi e sua esposa consolaram o arrasado homem o melhor que puderam, mas estremeceram ao fazê-lo. Absoluto terror parecia pairar ao redor dos Gardners e de tudo que eles tocavam, e a mera presença de um deles na casa era um sopro de regiões inominadas e inomináveis. Ammi acompanhou Nahum até em casa com grande relutância, e fez o que pode para acalmar o soluçar histérico do pequeno Merwin. Zenas não necessitava de consolo. Ultimamente ele começou a não fazer nada além de olhar fixamente para o nada e obedecer ao que seu pai lhe dizia; e Ammi achou que sua sorte era bastante compassiva. De vez em quando os gritos de Merwin eram respondidos debilmente do ático, e em resposta a um olhar inquisidor Nahum disse que sua esposa estava ficando bastante fraca. Quando a noite se aproximou, Ammi deu um jeito de ir embora; pois nem mesmo amizade poderia fazê-lo permanecer naquele ponto quando o débil brilho da vegetação começasse e as árvores podiam ou não ter se movido sem vento. Ammi era realmente afortunado por não ser mais imaginativo. Mesmo como as coisas estavam, sua mente desatinou apenas ligeiramente; se ele fosse capaz de conectar e refletir sobre todos os portentos ao redor dele ele inevitavelmente teria se tornando um maníaco completo. No crepúsculo ele se apressou para casa, com os gritos da louca mulher e da criança nervosa ecoando horrivelmente em seus ouvidos.

Três dias depois Nahum irrompeu na cozinha de Ammi no início da manhã, e na ausência de seu anfitrião gaguejou novamente uma história desesperada, enquanto a Sra. Pierce ouvia em terror estático. Fora o pequeno Merwin desta vez. Ele se fora. Ele saíra tarde da noite com uma lanterna e balde para pegar água, e nunca retornou. Ele estava perdendo o controle há dias, e mal-e-mal sabia o que estava fazendo. Gritava de medo por tudo. Houve então um frenético grito agudo vindo do jardim, mas antes que o pai pudesse chegar à porta o menino se fora. Não havia nenhuma luminosidade da lanterna que ele havia levado, e da própria criança nenhum traço. Àquele momento Nahum pensou que a lanterna e balde tinham se ido também; mas quando amanheceu, e o homem arrastava-se de volta de sua busca de noite inteira nas florestas e campos, ele encontrou algumas coisas bem curiosas perto do poço. Lá havia uma massa de ferro amassada e aparentemente um tanto derretida a qual certamente fora a lanterna; enquanto que uma alça dobrada e aros retorcidos de ferro ao lado dela, ambos meio fundidos, pareciam indicar os remanescentes do balde. Aquilo era tudo. Nahum era incapaz de dar uma sugestão, Sra. Pierce estava pálida, e Ammi, quando voltou para casa e ouviu a história, não conseguia dar nenhuma opinião. Merwin se fora, e não ajudaria em nada contar as pessoas ao redor, que agora evitavam os Gardners. De nada adiantava, também, em avisar o povo da cidade em Arkham que riam de tudo. Thad se fora e agora Merwin se fora. Alguma coisa estava crescendo e crescendo e esperando para ser vista e ouvida. Nahum se iria logo, e ele queria que Ammi cuidasse de sua esposa e de Zenas se eles sobrevivessem mais que ele. Deve ser tudo um julgamento de algum tipo; embora ele não pudesse imaginar por que, uma vez que ele sempre caminhara honradamente nas sendas do Senhor até onde sabia.

Por mais de duas semanas Ammi não soube nada de Nahum; e então, preocupado com o que podia ter acontecido, ele superou seus medos e fez uma visita à propriedade de Gardner. Não havia fumaça saindo da grande chaminé, e por um momento o visitante estava esperando o pior. O aspecto da fazenda inteira era chocante – grama e folhas murchas e acinzentadas no chão, trepadeiras caindo sobre escombros quebradiços de paredes e gabletes arcaicos, e grandes árvores nuas esticando as garras para o cinzento céu de novembro como uma malevolência estudada a qual Ammi nada podia além de sentir que provinha de alguma mudança sutil na inclinação dos galhos. Mas Nahum estava vivo, apesar de tudo. Ele estava fraco, e deitado em um sofá na cozinha de teto baixo, mas perfeitamente consciente e capaz de dar ordens simples a Zenas. A sala estava mortalmente fria; e como Ammi tremia visivelmente, o anfitrião gritou rispidamente a Zenas por mais madeira. Madeira, de fato, era dolorosamente necessária; uma vez que o cavernosa lareira estava apagada e vazia, com uma nuvem de fuligem agitando-se no vento gelado que vinha pela chaminé. Logo Nahum peguntou a ele se a madeira extra o fizera um pouco mais confortável, e então Ammi entendeu o que acontecera. A corda mais rígida havia se rompido finalmente, e a desafortunada mente do fazendeiro estava protegida contra mais tristezas.

Perguntando com bastante tato, Ammi não pode conseguir nenhuma informação clara sobre o ausente Zenas. “No poço – ele vive no poço –“ era tudo que o anuviado pai dizia. Então passou pela mente do visitante a lembrança repentina da esposa louca, e ele mudou sua linha de questionamento. “Nabby? Porque, aqui está ela!” foi a resposta surpresa do pobre Nahum, e Ammi logo percebeu que teria que procurar por si mesmo. Deixando o inofensivo tagarela no sofá, ele pegou as chaves de seu prego ao lado da porta e subiu as escadas rangentes até o ático. Era bastante opressivo e nauseante lá em cima, e nenhum som poderia ser ouvido em qualquer direção. Das quatro portas à vista apenas uma estava trancada, e nela ele tentou várias chaves do anel que ele havia pegado. A terceira chave se provou a correta, e após alguma hesitação Ammi escancarou a baixa porta branca.

Estava muito escuro dentro, pois a janela era pequena e meio tampada com pedaços brutos de madeira; e Ammi não podia ver absolutamente nada no piso de tábuas largas. O fedor estava insuportável, e antes de seguir adiante ele teve que recuar para outro quarto e retornar com os pulmões cheios de ar respirável. Quando ele de fato entrou ele percebeu alguma coisa escura no canto, e ao vê-la mais claramente ele imediatamente gritou. Enquanto gritava ele achou que uma nuvem momentânea eclipsara a janela, e um segundo mais tarde ele se sentiu tocado de leve como se por alguma odiosa corrente de vapor. Estranhas cores dançaram ante seus olhos; e se o horror do momento não o tivesse paralisado ele teria pensado no glóbulo dentro do meteoro que o martelo do geólogo havia partido, e na mórbida vegetação que brotou na primavera. Como ele estava pensava apenas na blasfema monstruosidade que o confrontava, e que muito claramente partilhara o destino inominável do jovem Thaddeus e dos animais. Mas a terrível coisa sobre o horror fora que ele muito lentamente e de forma perceptível se movera enquanto continuava a se desfazer.

Ammi não me forneceria mais detalhes desta cena, mas a forma no canto não reaparece em sua história como um objeto que se movia. Há coisas que não podem ser mencionadas, e o que é feito em um senso de humanidade é algumas vezes cruelmente julgado pela lei. Eu deduzi que nenhuma coisa que se movia foi deixada naquele quarto do ático, e que deixar lá qualquer coisa capaz de se mover teria sido um feito tão monstruoso que condenaria qualquer ser responsável ao tormento eterno. Ninguém exceto um fazendeiro estóico teria desmaiado ou ficado louco, mas Ammi andou conscientemente através daquele batente baixo e trancou o amaldiçoado segredo atrás dele. Havia Nahum com quem lidar agora; ele deveria ser alimentado e atendido, e removido para algum lugar onde pudesse ser cuidado.

Começando sua descida das escadas escuras. Ammi ouviu uma pancada abaixo dele. Ele mesmo pensou que um grito havia sido repentinamente suprimido, e recordou nervosamente do pegajoso vapor que havia se esfregado de leve nele naquele horrível quarto acima. Que presença seu grito e entrada havia alertado? Imobilizado por algum medo vago, ele ouviu sons ainda mais distantes vindos de baixo. Indubitavelmente havia uma espécie de arrastar pesado, e um absolutamente detestável doentio barulho como se fosse alguma diabólica e obscena espécie de sucção. Com um sentido associativo impelido a alturas febris, ele inexplicavelmente pensava no que havia visto escadaria acima. Bom Deus! Que sobrenatural mundo-onírico era este no qual ele havia sido atirado? Ele não ousava mover-se nem para frente nem para trás, mas permaneceu lá tremendo na curva negra da escadaria fechada. Cada detalhe ínfimo da cena queimava-se em seu cérebro. Os sons, a sensação de aterrorizante antecipação, a escuridão, a inclinação do degrau estreito – e piedoso Céu! – a leve mas inconfundível luminosidade de todo o madeiramento a vista; tanto em degraus, lados, forração de estuque exposta quanto nas vigas.

Então irrompeu um frenético relincho do cavalo de Ammi lá fora, seguindo imediatamente por uma algazarra que indicava uma fuga frenética. No momento seguinte cavalo e charrete haviam ido para além da audição, deixando o assustado homem nas escadas escuras a imaginar o que os havia feito disparar. Mas isto não fora tudo. Houvera outro som lá fora. Uma espécie de chapinhar líquido – água – deve ter sido o poço. Ele havia deixado Herói solto perto dele, e a roda da charrete deve ter raspado a borda e derrubado uma pedra. Mas ainda assim a pálida fosforescência brilhava naquele detestavelmente antigo madeiramento. Deus! quão velha a casa era! A maior parte dela construída antes de 1670, e o telhado gambrel não depois de 1730.

Um débil arranhar no chão escada abaixo agora soava distintamente, e a mão de Ammi apertou com força um bastão pesado que ele havia pegado no ático para algum propósito. Lentamente se encorajando, ele terminou sua descida e caminhou corajosamente em direção à cozinha. Mas ele não completou a caminhada, pois o que ele buscava não estava mais lá. Havia vindo encontrá-lo, e ainda estava vivo de uma certa forma. Se havia rastejado ou se havia sido arrastado por forças externas Ammi não podia dizer; mas a morte havia estado naquilo. Tudo havia acontecido na última meia hora, mas colapso, acinzentamento e desintegração já estavam bastante avançados. Havia uma terrível fragilidade, e fragmentos secos estavam de desprendendo. Ammi não podia tocá-lo, mas olhou horrorizado para a paródia distorcida do que havia sido uma face. “O que foi isso, Nahum – o que foi isso?” ele murmurou, e os lábios partidos e protusos mal foram capazes de crepitar uma resposta final.

“Nada… nada… a cor… ela queima… fria e molhada, mas queima… ela vivia no poço… eu vi ela… um tipo de fumaça… bem do tipo das flores da primavera passada… o poço brilhava de noite… Thad e Merwin e Zenas… tudo vivo… chupando a vida de tudo… naquela pedra… deve tê vindo naquela pedra venenou o lugar todo… num sei o que ela quer… a coisa redonda que homens da universidade cavocaram da pedra… eles quebraram ela… era da mesma cor… bem igual, como as flores e plantas… deve ter tido mais delas… sementes… sementes… elas cresceram… eu a primeira vez esta semana… deve ter ficado forte com o Zenas… ele era um menino grande, chei’de vida… ela pega sua cabeça e’tão pega você… te queima… no poço d´água… você tava certo sobre aquilo… água má… Zenas nunca voltou do poço… não pode se afastar… te puxa… ce sabe o que ta vindo mas num ‘dianta… eu vi ela mais de vez desde que Zenas foi pego… onde tá Nabby, Ammi?… minha cabeça não tá boa… num sei quanto tempo faz que eu dei comida pra ela… vai pegar ela se se a gente não cuidar… só uma cor… o rosto dele ta pegando aquela cor algumas vezes mais pra de noite… ela queima e chupa… ela veio dum lugar onde as coisas não são como aqui… um daqueles professores disse isso… ele tava certo… cuidado, Ammi, ela vai faze mais alguma coisa… chupa a vida…”


Mas isso foi tudo. Aquilo que falou não podia falar mais porque tinha colapsado completamente. Ammi colocou uma toalha de mesa de xadrez vermelho sobre o que restou e saiu pela porta dos fundos para os campos. Ele escalou o declive para o pasto de dez acres e cambaleou para casa através da estrada norte e da floresta. Ele não podia passar pelo poço do qual seus cavalos haviam fugido. Ele o havia olhado através da janela e visto que não havia nenhuma pedra faltando na borda. Então a oscilante charrete não havia deslocado nada afinal – o chapinhar havia sido alguma outra coisa – alguma coisa que foi para dentro do poço após ter terminando com o pobre Nahum.

Quando Ammi chegou em sua casa os cavalos e charrete haviam chegado antes dele e causado ataques de ansiedade em sua esposa. Tranquilizando-a sem explicações, ele partiu imediatamente para Arkham e notificou as autoridades que a família Gardner não existia mais. Ele não deu nenhum detalhe, mas meramente contou das mortes de Nahum e Nabby, sendo a morte de Thaddeus já sabida, e mencionou que a causa parecia ser o mesmo estranho padecimento que havia matado os animais. Ele também afirmou que Merwin e Zenas haviam desaparecidos. Houve um considerável questionamento na estação policial, e no fim Ammi foi obrigado a levar três policiais até a fazenda Gardner, junto com o médico legista, o examinador médico e o veterinário que havia tratado os animais doentes. Ele foi muito contra vontade, pois a tarde estava avançando e ele temia o cair da noite sobre aquele lugar amaldiçoado, mas havia algum conforto em ter tantas pessoas com ele.

Os seis homens seguiram em um carroça-democrata, seguindo a charrete de Ammi, e chegaram na empestada casa da fazenda por volta das quatro horas. Mesmo acostumado como eram os policiais a experiências macabras, nenhum deles permaneceu impávido pelo que foi encontrado no ático e sob a toalha de mesa de xadrez vermelho no piso abaixo. O aspecto geral da fazenda com sua desolação cinza era terrível o suficiente, mas aqueles dois objetos se desfazendo estavam além de quaisquer limites. Ninguém podia olhar para eles, e mesmo o examinador médico admitiu que havia muito pouco a examinar. Amostras poderiam ser examinadas, é claro, assim ele se apressou em obtê-las – e eis que um resultado bastante intrigante ocorreu no laboratório da universidade para onde as duas ampolas de pó foram afinal levadas. Sob o espectroscópio ambas as amostras forneceram um espectro desconhecido, no qual muitos das desconcertantes faixas eram precisamente iguais àquelas que o estranho meteoro tinha revelado no ano anterior. A capacidade de emitir este espectro desapareceu em um mês, após o que o pó consistia principalmente de fosfatos alcalinos e carbonatos.

Ammi não teria contado aos homens sobre o poço se tivesse imaginado que eles teriam intenção de fazer algo naquela hora e naquele momento. Estava se aproximando do pôr-do-sol, e ele estava ansioso para estar longe. Mas ele não pode evitar olhar nervosamente de relance a borda de pedras do grande sarilho e quando um policial questionou-o ele admitiu que Nahum temia tanto alguma coisa lá embaixo que sequer cogitara procurar nele por Merwin e Zenas. Após isso nada além esvaziar e explorar o poço imediatamente seria suficiente, assim Ami teve que aguardar tremendo enquanto balde após balde de água fétida era erguido e esvaziado no solo que estava ficando encharcado. Os homens fungaram em desgosto ao fluído, e para o final do trabalho taparam os narizes devido à fetidez que estavam revelando. Não foi um trabalho tão longo quanto temiam que seria, uma vez que a água estava fenomenalmente baixa. Não há necessidade de falar muito exatamente sobre o que eles encontraram. Merwin e Zenas estavam ambos lá, em parte, embora os vestígios fossem principalmente esqueléticos. Lá também estava um pequeno veado e um grande cachorro mais ou menos no mesmo estado, e uma quantidade de ossos de pequenos animais. O lodo e a gosma no fundo pareciam inexplicavelmente porosos e efervescentes, e um homem que desceu utilizando os apoios de mão com uma longa vara descobriu que ele podia enfiar o pedaço de madeira a qualquer profundidade no barro do fundo sem encontrar qualquer obstrução sólida.

Crepúsculo havia então caído, e lampiões foram trazidas da casa. Então, quando se verificou que nada mais seria obtido do poço, todos entraram e conferenciaram na antiga sala de estar enquanto que a luz intermitente de uma meia-lua espectral brincava languidamente na desolação cinza do lado de fora. Os homens estavam francamente perplexos em relação à totalidade do caso, e não conseguiram encontrar um elemento comum convincente para conectar as estranhas condições vegetais, a doença desconhecida de animais e humanos e as inexplicáveis mortes de Merwin e Zenas no poço contaminado. Eles haviam ouvido os boatos do interior, é verdade; mas não conseguiam acreditar que nada contrário à lei natural houvesse ocorrido. Sem dúvida o meteoro havia envenenado o solo, mas a doenças das pessoas e animais que não haviam comido nada crescido naquele solo era outro assunto. Seria a água do poço? Muito possivelmente. Pode ser uma boa idéia analisá-la. Mas que loucura peculiar havia feito ambos os meninos pularem no poço? Seus feitos eram tão similares – e os fragmentos mostraram que ambos sofreram da morte cinza quebradiça. Porque tudo estava tão cinza e quebradiço?

Foi o legista, sentado perto de uma janela que dava para o jardim, quem primeiro notou o brilho ao redor do poço. A noite havia chegado completamente, e todos os repulsivos terrenos pareciam levemente luminosos com mais do que os intermitentes raios de luar; mas este novo brilho era algo definido e distinto, e parecia disparar para cima a partir do buraco negro como um raio amainado de um holofote, criando reflexos embotados nas pequenas poças do chão onde a água do poço havia sido esvaziada. Tinha uma cor bastante esquisita, e enquanto todos os homens se aglomeravam ao redor da janela Ammi teve um violento espasmo. Pois este estranho raio de aterrorizante miasma não tinha para ele um tom desconhecido. Ele havia visto aquela cor antes, e tinha medo de pensar o que isto significava. Ele a havia visto no desagradável glóbulo quebradiço naquele aerólito dois verões atrás, havia visto na enlouquecida vegetação da primavera, e acreditava tê-la visto por um momento naquela mesma manhã defronte a pequena janela bloqueada naquele terrível quarto do ático onde coisas inominadas aconteceram. Ela havia cintilado ali por um segundo, e uma corrente de vapor pegajosa e detestável havia passado resvalando nele – e então o pobre Nahum havia sido tomado por alguma coisa daquela cor. Ele o disse então finalmente – disse que aquilo era como o glóbulo e as plantas. Após aquilo tinha acontecido a correria no jardim e o chapinhar no poço – e agora aquele poço estava expelindo na noite um raio pálido e insidioso da mesma coloração demoníaca.

Deve-se dar crédito à vigilância da mente de Ammi que ele estivesse ponderando mesmo naquele momento tenso sobre um ponto que era essencialmente científico. Ele não podia deixar de se assombrar ao dar-se conta de que a mesma sensação foi causada por um vapor vislumbrado à luz do dia, contra uma janela aberta para o céu matutino e por uma exalação noturna vista como uma névoa fosforescente contra a paisagem negra e ressequida. Não estava certo – era contra a Natureza – ele pensou naquelas terríveis últimas palavras de seu amigo acometido, “ela veio dum lugar onde as coisas não são como aqui… um daqueles professores disse isso…”

Todos os três cavalos no lado de fora, amarrados a um par de jovens árvores engelhadas ao lado da estrada, estavam agora relinchando agudamente e batendo os cascos no chão freneticamente. O condutor da carroça começou a se dirigir à porta para fazer alguma coisa, mas Ammi colocou uma mão trêmula em seu ombro. “Não vá lá pra fora”, ele murmurou. “Tem mais coisa aqui do que sabemos. Nahum disse que alguma coisa que vivia no poço sugava sua vida. Ele disse que devia ser devia ser alguma coisa que cresceu de uma bola redonda como a que todos vimos na pedra meteoro que caiu um ano atrás em junho. Suga e queima, ele disse, e é só uma nuvem de cor como aquela luz lá fora agora, que você dificilmente consegue ver e não pode dizer o que é. Nahum achava que se alimentava de tudo vivo e ficava mais forte o tempo todo. Ele isse que tinha visto na semana passada. Deve ser alguma coisa de bem longe no céu como os homens da universidade ano passado disseram que a pedra meteoro era. A maneira como é feita e a maneira como funciona não é nada desse mundo de Deus. É alguma coisa vinda de outro mundo”.

Então os homem pararam indecisos enquanto a luz do poço ficava mais forte e os cavalos presos batiam com os cascos e relinchavam agudamente em um crescente frenesi. Foi verdadeiramente um momento horrível; com terror naquela na própria antiga e amaldiçoada casa, quatro monstruosos conjuntos de fragmentos – dois da casa e dois do poço – no galpão de madeira atrás, e aquele facho de iridiscência desconhecida e ímpia vindo das profundezas viscosas à frente. Ammi havia contido o condutor por impulso, esquecendo o quão incólume ele ficou após o resvalar pegajoso daquele vapor colorido no quarto do ático, mas talvez tenha sido bom ele ter agido da maneira que agiu. Ninguém jamais saberá o que estava vagando naquela noite; e embora a blasfêmia do outro mundo não tivesse até então machucado nenhum humano cuja mente não estivesse enfraquecida, não havia como dizer o que não poderia ter feito naquele último momento, e com sua aparentemente ampliada força e os sinais especiais de intenção que estava preste a mostrar sob o meio encoberto céu enluarado.

Imediatamente um dos detetives à janela soltou um arquejo curto e agudo. Os outros olharam para ele, e então rapidamente seguiram seu olhar fixo para cima até o ponto para o qual seu olhar distraído foi subitamente atraído. Não havia necessidade de palavras. O que havia sido contestado nos boatos do interior não era mais contestável, e isso devido à coisa que cada homem naquele grupo concordou aos sussurros mais tarde, que os dias estranhos nunca são comentados em Arkham. É premissa necessária que não havia vento naquela hora da noite. Um começou não muito mais tarde, mas naquele momento não havia nenhum. Mesmo as pontas secas do persistente rinchão, cinzas e ressequidas, e as franjas do teto da carroça-democrata parada estavam imperturbadas. E mesmo assim em meio aquela tensa calma ímpia os altos ramos nus de todas as árvores no jardim estavam se movendo. Eles estavam se contorcendo mórbida e espasmodicamente, estendendo suas garras em convulsiva e epilética loucura as nuvens enluaradas; arranhando impotentemente o ar nocivo como se puxadas por alguma linha de conexão associada e incorpórea com horrores subterrâneos se contorcendo e lutando abaixo das raízes negras.

Nenhum homem respirou por vários segundos. Então uma nuvem mais escura passou sobre a lua, e a silhueta dos galhos em forma de garra se agitando desapareceu momentaneamente. Neste momento houve um grito geral; abafado pelo assombro, mas rouco e quase idêntico em cada garganta. Pois o terror não havia esvaecido com a silhueta, e em um terrível instante de trevas mais escuras os observadores viram se movendo sinuosamente naquela altura do topo das árvores um milhar de pequenos pontos de débil e profana radiância, tocando cada ramo como o fogo-de-santelmo ou as chamas de desceram sobre a cabeça dos apóstolos no Pentecostes. Era uma monstruosa constelação de luz não-natural, como um um superabundante enxame de vagalumes necrófagos dançando sarabandas infernais sobre um pântano amaldiçoado, e sua cor era a mesma intrusão inominada a qual Ammi veio a reconhecer e temer. Enquanto tudo isso o facho de fosforescência que saía do poço estava ficando mais e mais brilhante, trazendo às mentes dos homens aglomerados uma sensação de ruína e anormalidade a qual de longe sobrepujou qualquer imagem que suas mentes conscientes pudessem formar. Não estava mais brilhando para fora; estava derramando para fora; e enquanto a disforme torrente de cor irreconhecível deixava o poço ela parecia flutuar diretamente para o céu.

O veterinário tremeu e caminhou até a porta da frente para baixar a pesada tranca extra através dela. Ammi não tremia menos, e teve que puxar e apontar por falta de voz controlável quando desejou chamar atenção para a crescente luminosidade das árvores. As batidas dos cascos e relinchar agudo se tornaram completamente aterrorizantes, mas nenhuma alma daquele grupo na velha casa teria se aventurado para fora por nenhuma recompensa terrena. Com o passar do tempo a luminosidade das árvores aumentava enquanto seus galhos inquietos pareciam se esticar mais e mais verticalmente. A madeira do sarilho estava brilhando agora; e então um policial silenciosamente apontou para alguns galpões de madeira e colméia de abelha perto ao muro de pedras no oeste. Eles estavam começando a brilhar, também, embora os veículos presos dos visitantes até então não pareciam afetados. Então houve uma comoção e cavalgar selvagens na estrada, e enquanto Ammi reduzia a luz da lâmpada para ver melhor eles perceberam que a parelha de cavalos cinzentos em frenesi haviam quebrado a pequena árvore onde foram amarrados e fugido com a carroça-democrata.

O choque serviu para soltar várias línguas, e murmúrios embaraçados foram trocados. “Se espalha em tudo orgânico que esteve ao redor daqui”, resmungou o examinador médico. Ninguém respondeu, mas o homem que havia estado no poço sugeriu que sua longa vara deve ter provocado alguma coisa intangível. “Foi horrível”, ele acrescentou. “Não havia nenhum fundo. Apenas lodo e bolhas e a sensação de alguma coisa espreitando lá embaixo”. O cavalo de Ammi continuava a bater com o casco no chão e berrar ensurdecedoramente na estrada lá fora, e quase encobriu os débeis sons trêmulos de seu dono enquanto este murmurava suas reflexões disformes. “Veio daquela pedra – cresceu lá embaixo – se alimentou deles, mente e corpo – Thad e Merwin, Zenas e Nabby – Nahum foi o último – todos eles tomaram a água – ficou forte neles – veio de outro mundo, onde as coisas não são como aqui – agora está indo pra casa – “.

Neste momento, quando a coluna de cor desconhecida aumentava de brilho repentinamente ficou mais forte e começou a se entrelaçar em fantásticas sugestões de formas as quais cada observador descreveu diferentemente, então veio do pobre e amarrado Herói um tal som como nenhum homem antes ou depois jamais ouviu de um cavalo. Cada pessoa naquela sala de estar de teto baixo colocou as mãos sobre as orelhas, e Ammi virou de costas para a janela em horror e náusea. Palavras não podiam descrever aquilo – quando Ammi olhou novamente a desafortunada besta jazia amontoada sobre o terreno enluarado entre os eixos arrebentados da charrete. Esta foi a última coisa que se soube de Herói até que eles o enterraram no dia seguinte. Mas o presente não era o momento para lamentações, pois quase a este instante um detetive silenciosamente chamou atenção para algo horrível naquela mesma sala com eles. Na ausência da luz da lanterna ficou claro que uma débil fosforescência havia começado a se infiltrar por todo o cômodo. Brilhava no chão de tábuas largas e no fragmento de tapete de trapos, e tremeluzia sobre os caixilhos das janelas de vidros pequenos. Ela percorreu de cima a baixo as colunas expostas nos cantos, coruscou entre a prateleira e a cornija, e infectou as próprias portas e mobília. Cada minuto a via se reforçando, e finalmente tornou-se bastante claro que todas as coisas vivas saudáveis deveria deixar aquela casa.

Ammi mostrou a eles a porta dos fundos e o caminho através dos campos subindo até o pasto de dez acres. Eles andaram e tropeçaram como em um sonho, e não ousaram olhar para trás até estarem bem longe no terreno mais alto. Eles estavam satisfeitos com o caminho, pois eles não poderiam ter ido pela via da frente. Já havia sido ruim o suficiente passar pelos galpões e estábulo brilhantes e aquelas reluzentes árvores do pomar com seus contornos deformados e demoníacos; mas graças ao Céu os galhos fizeram seu pior se contorcendo para cima. A lua se escondera atrás de algumas nuvens muito negras quando eles atravessaram a ponte rústica sobre o Riacho Chapman, e foi uma cega e hesitante caminhada dali até os prados abertos.

Quando eles olharam para trás em direção ao vale e à distante propriedade Gardner no fundo eles tiveram uma terrível visão. A fazenda estava brilhando com a horrível e desconhecida combinação de cor; árvores, construções e mesmo coisas como grama e a relva que não haviam ainda transmudado completamente para a letal e cinzenta fragilidade. Os galhos todos estavam esticando em direção ao céu, encabeçados com línguas de uma chama impura, e radiantes filamentos do mesmo fogo monstruoso. Estavam rastejando pelas cumeeiras da casa, estábulo e barracões. Era uma cena de uma visão de Fuseli, e sobre todo o resto reinava aquela desordem de luminosa amorfidade, aquele arco-íris alienígena e adimensional de crípticos venenos vindos do poço – fervilhando, sentindo, envolvendo, estendendo, cintilando, esticando e malignamente borbulhando em seu cósmico e irreconhecível cromaticismo.

Então sem aviso a horrível coisa arremessou-se verticalmente para cima em direção ao céu como um foguete ou meteoro, deixando para trás nenhum traço e desaparecendo através de um buraco curiosamente regular nas nuvens antes que qualquer homem pudesse se assustar ou gritar. Nenhum observador jamais poderia esquecer aquela visão, e Ammi fitou sem expressão as estrelas de Cygnus, com Deneb reluzindo mais do que as demais, onde a desconhecida cor se mesclou à Via Láctea. Mas seu olhar foi no próximo momento rapidamente chamado à terra pelo crepitar no vale. Foi apenas isso. Apenas um crepitar e rasgar de madeira, e não uma explosão, como muitos outros do grupo juraram. Mesmo assim o resultado foi o mesmo, pois em um febrilmente calidoscópio instante irrompeu daquela fazenda condenada e amaldiçoada fazenda um brilhantemente cataclismo eruptivo de fagulhas e substância não-naturais.; borrando a visão dos poucos que o viram, e enviando acima para o zênite um bombardeante aguaceiro de tais coloridos e fantásticos fragmentos que nosso universo teve necessidade de renegar. Através de vapores que estavam novamente se fechando rapidamente eles seguiram a grande morbidade que havia sumido, e no momento seguida os vapores sumiram também. Atrás e abaixo existia apenas uma escuridão para a qual os homens não ousavam retornar, e ao redor de tudo havia um vento ascendente que parecia se estender em rajadas negras e gélidas rajadas vindas do espaço interestelar. Ele guinchava e uivava, e chicoteava os campos e as árvores distorcidas em um frenesi cósmico enlouquecido, até que logo o trêmulo grupo percebeu que seria inútil aguardar pela lua para que mostrasse o que restara lá embaixo no Nahum.

Estupefatos demais mesmo para sugerir teorias, os sete homens trêmulos marcharam de volta em direção a Arkham pela estrada norte. Ammi estava pior que seus companheiros, e implorou a eles para deixá-lo dentro de sua própria cozinha, ao invés de continuar seguindo direto para a cidade. Ele não deseja cruzar sozinho as florestas ressequidas e açoitadas pelo vento até sua casa na estrada principal. Pois ele tinha tido um choque adicional do qual os outros foram poupados, e estava oprimido para sempre com um medo latente que ele não ousava sequer mencionar por muitos anos ainda. Enquanto o resto dos observadores naquela tempestuosa colina haviam apaticamente movidos seus rostos em direção à estrada, Ammi olhara para trás por um instante para o vale obscurecido pela desolação, tão recentemente abrigo de seu desafortunado amigo. E daquele ponto arrasado e distante ele viu alguma coisa débil se levantar, apenas para cair novamente sobre o local de onde o grande horror informe havia se atirado ao céu. Era apenas uma cor – mas não era nenhuma coisa de nossa terra ou céus. E porque Ammi reconheceu aquela cor, e sabia que aquele último débil resíduo deve continuar lá embaixo no poço, ele nunca foi totalmente são desde então.

Ammi nunca mais chegaria perto daquele lugar novamente. Faz quarenta e quatro anos desde que o horror aconteceu, mas ele nunca mais esteve lá, e ficaria satisfeito quando o novo reservatório o obliterasse. Eu ficarei satisfeito também, pois eu não gosto da maneira com o a luz do sol muda de cor ao redor da boca daquele poço abandonado pelo qual eu passei. Espero que a água seja sempre bem profunda – mas mesmo assim, eu nunca tomarei dela. Não acho que visitarei o interior de Arkham no futuro. Três dos homens que haviam estado com Ammi retornaram na manhã seguinte para ver as ruínas à luz do dia, mas lá não existia nenhuma ruína real. Apenas tijolos da chaminé, as pedras do porão, algum lixo mineral e metálico aqui e ali, e a borda do nefando poço. A não ser pelo cavalo morto de Ammi, o qual eles puxaram para longe e enterraram, e a charrete a qual logo retornaram a ele, tudo que tenha estado vivo na casa se fora. Cinco acres sobrenaturais de deserto de poeira cinza restaram, nem nada jamais cresceu lá desde então. Até este dia ele se espalha aberto sob o céu como um grande ponto corroído por ácido na florestas e campos, e os poucos que jamais ousaram vislumbrá-lo apesar das lendas rurais o nomearam “o ermo maldito”.

As lendas rurais são esquisitas. Elas poderiam ser ainda mais esquisitas se os homens da cidade e químicos da universidade estivessem interessados o suficiente a ponto de analisar a água daquele poço abandonado, ou a poeira cinza que nenhum vento parece dispersar. Botânicos, também, deveriam estudar a flora atrofiada nas fronteiras aquele ponto, pois ela poderia lançar luz sobre a noção interiorana de que a ressequidão está se disseminando – pouco a pouco, talvez uma polegada por ano. As pessoas dizem que a cor da relva não é totalmente correta na primavera, e que as coisas selvagens deixam marcas esquisitas na neve leve de inverno. A neve nunca parece tão pesada no ermo maldito quanto é em outros lugares. Cavalos – os poucos restantes nesta era do motor – se tornam assustadiços no vale silencioso; e caçadores não podem depender de seus cães muito próximo da nódoa de poeira cinzenta.

Dizem que as influências mentais são bem ruins, também; o grupo de pessoas ficou esquisito nos dias após o contágio de Nahum., e sempre lhes faltou a energia para ir embora. Então todas as pessoas mais resolutas deixaram a região, e apenas os estrangeiros tentaram viver nas antigas e desintegrantes herdades. Eles não conseguiam permanecer, contudo; e alguém às vezes se pergunta qual vislumbre além dos nossos suas histórias selvagens e estranhas de mágica sussurrada deu a eles. Seus sonhos à noite, suas queixas, são bastante horríveis naquele interior grotesco; e certamente uma sensação de estranheza naquelas ravinas profundas, e artistas estremecem enquanto pintam florestas fechadas cujo mistério é tanto do espírito quando dos olhos. Eu mesmo sou curioso com relação à sensação que obtive da minha única caminhada solitária antes que Ammi me contasse sua história. Quando o crepúsculo veio eu vagamente desejei que algumas nuvens se aglomerassem, pois uma estranha timidez sobre os profundos vazios espaciais acima havia invadido minha alma.

Não peçam minha opinião. Eu não sei – isto é tudo. Não há ninguém além de Ammi para questionar; pois as pessoas de Arkham não falarão sobre os dias estranho, e todos os três professores que viram o aerólito e o glóbulo colorido estão mortos. Existiam outros glóbulos – depende disso. Um deve ter se alimentado e escapou, e provavelmente existia outro que estava tarde demais. Sem dúvida continua lá embaixo no poço – eu sei que existe alguma coisa errada com a luz do sol que eu vi acima daquela borda miasmal. Os rústicos dizem que a ressequidão cresce uma polegada por ano, então talvez exista um tipo de crescimento e nutrição mesmo agora. Mas seja qual prole demoníaca esteja lá, deve estar confinado a algo ou se espalharia rapidamente. Teria se prendido às raízes daquelas árvores que rasgavam o ar com suas garras? Um dos atuais contos de Arkham é sobre gordos carvalhos que à noite brilham e se movem como não deveriam.

O que é, apenas Deus sabe. Em termos de matéria suponho que a coisa que Ammi descreveu seria chamada um gás, mas este gás obedecia a leis que não eram do nosso cosmos. Não era fruto de tais mundos e sóis tais como brilham nos telescópios e placas fotográficas de nossos observatórios. Não era sopro dos céus cujos movimentos e dimensões nossos astrônomos medem ou acreditam vasto demais para medir. Era apenas uma cor vinda do espaço – um assustador mensageiro de disformes reinos de infinito além de toda Natureza como a conhecemos; de reinos cuja mera existência atordoam o cérebro e nos paralisa com os golfos negros extracósmicos que lançam abertos antes nossos olhos delirantes.


Eu duvido muito que Ammi tenha conscientemente mentido para mim, e eu não acho que sua história fosse te todo uma excentricidade da loucura como o povo da cidade havia me alertado. Alguma coisa terrível veio às colinas e vales naquele meteoro, e alguma coisa terrível – embora eu não saiba em que proporção – ainda permanece. Eu ficarei feliz em ver a água vindo. Enquanto isso eu espero que nada aconteça com Ammi. Ele viu tanto da coisa – e sua influência era tão insidiosa. Por que ele nunca foi capaz de se mudar para longe? Quão claramente ele lembrava aquelas palavras moribundas de Nahum – “não pode se afastar – te puxa – ‘cê sabe o que ta vindo mas num ‘dianta. Ammi é um bom homem velho – quando a turma do reservatório começar a trabalhar escreverei ao engenheiro-chefe para manter uma vigilância atenta nele. Eu odiaria pensar nele como a monstruosidade cinza, retorcida e quebradiça que persiste mais e mais perturbando meu sono.