Ana separou cuidadosamente os itens necessários para o ritual. O medo lhe invadia a cabeça, suas pernas tremiam como galhos ao vento. Sentia-se envergonhada de ser vista daquele jeito.
Ela sabia não ter volta, depois de invocado não poderia desistir. Entrou no carro e dirigiu-se ao cemitério. Estava deserto, exceto por um gato que a assustara pulando o muro branco que contrastava com o negrume da noite alta. Pulou o portal velho e enferrujado. Sobre os ombros a mochila contendo os ingredientes do ritual.
Dirigiu-se cuidadosamente ao centro da necrópole. O seu meio era composto pelas catacumbas mais velhas e acabadas, dando ao local um ar ainda mais bizarro e assustador. Depositou a mochila na terra solta de uma cova cavada a pouco. De dentro dela, retirou um tecido de seda negra tendo nele desenhado alguns símbolos desconhecidos. Retirou, ainda, uma tábua de barro com caracteres fenícios. Perguntou-se de onde teria vindo objeto tão raro.
O altar foi ornamentado com seis velas vermelhas, tendo em sua face norte uma vela negra de tamanho maior que as outras. Ana começou a recitar as palavras desconhecidas que decorara com dificuldade. Ao término, entornou sobre a tábua o sêmen que trazia num frasco, e num corte raso na palma da mão direita, pingou de sangue a tábua para finalizar o ritual.
Num transe momentâneo, um a voz lhe disse: “O mestre se encontra na cabeça do touro. O toque completa a abertura da passagem”. Ana se assustou com aquilo. No cemitério um silêncio sepulcral reinava, fazendo com que ela confirmasse a ideia de que aquela voz reverberante e alta estivera apenas em sua cabeça.
Retirou-se do local e dirigiu-se ao outro cemitério, para completar o ritual. Por um momento descontraiu-se em desgraçar quem tivera a ideia de instalar cemitérios em altos de morro. O aspecto do segundo cemitério não era muito melhor que o primeiro. Os muros de entrada eram cinzas e o portão, tão velho e enferrujado quanto o outro, rangia ao passar do vento. Ana questionou-se em seguir com aquilo, mas lembrou-se da advertência da velha na necessidade de prosseguir depois de começar.
Pulou o portão velho e enferrujado do cemitério e, agora com mais medo que antes, dirigiu-se ao centro. No centro, emitindo um grunhido de pavor e desespero, Ana viu cuidadosamente depositada o crânio apodrecido de um touro. Os chifres, enegrecidos mas com aspecto vivo em meio ao podre, eram enormes.
Tomou o crânio nas mãos, e segurando pelos chifres, beijou a testa do que outrora fora um enorme boi. A atmosfera mudara completamente. Ana já não se encontrava num cemitério, mas numa espécie de clareira de floresta. Ainda era noite alta, e as árvores e flores ao redor pareciam retiradas de um lixão e colocadas para enfeitar um jardim bizarro. O aspecto de morte lhe gelava a alma. Um homem alto, de ar cínico, trajando vestes longas e negras veio ao seu encontro.
O aspecto do homem, que apesar de trajar negro iluminara o ambiente morto com a sua presença, era de paz. Ana perdeu todo o medo que sentia. Na verdade sentiu-se tranquila. Uma tranquilidade que há muito não sentia. A beleza do homem lhe chamava atenção. Na verdade, aquele era o homem mais lindo que Ana já vira até então.
O homem trazia consigo uma tábua de barro, muito parecida com a que Ana utilizara no ritual. Entregou-a a ela e a escrita antiga, que nunca tinha antes visto, lhe era facilmente compreendida agora. Ana leu todo o conteúdo e viu que aquilo se tratava de um contrato. As cláusulas lhe pareceram razoáveis. Sem que o homem lhe tivesse perguntado ou dito absolutamente nada, Ana acenou a cabeça e lhe disse que aceitava.
O homem pegou a tábua, virou-se e se foi, sumindo na escuridão.
O medo voltou a Ana, o frio gelou seus ossos, a água molhava suas roupas. Abriu os olhos e estava agora no cemitério. A realidade voltara a ela: havia feito um pacto com Lúcifer.
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