quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Medo do escuro




Acredito que isso tenha começado há algumas semanas atrás. Os eletrônicos da minha casa começaram a ligar e desligar de repente. No começo era apenas um pequeno incômodo; eu estava na internet e meu computador desligava, ou eu estava cozinhando alguma coisa e o forno parava de funcionar.

Chamei um eletricista, mas ele disse que a fiação da minha casa estava perfeita. Não acreditei nele e chamei outros eletricistas, mas todos disseram a mesma coisa. Então tentei usar menos eletricidade em casa, achando que estava sobrecarregando-a. Eventualmente aprendi a conviver com isso.

O que começou a chamar a minha atenção para este fato foi quando meus colegas de trabalho começaram a reclamar do mesmo problema. A mulher do cubículo ao lado do meu me contou que o iPod dela havia parado de funcionar com a bateria ainda cheia, e que voltara a funcionar minutos mais tarde.

Logo estávamos vendo notícias sobre os mais diversos casos. Nos foi dito que o problema seria consertado logo, e não nos deram mais informações sobre.
Logo descobri que não era apenas nossa cidade que estava sendo afetada; muitas outras áreas ao redor do país - e mais tarde descobri que ao redor do mundo também - estavam sofrendo dos mesmos problemas.

As coisas começaram a piorar. À certa altura, muitos de nós estávamos acostumados com um ou dois aparelhos eletrônicos não funcionando. Mas quando todos os eletrônicos começaram a desligar ao mesmo tempo, e não funcionavam por horas, o pânico começou a tomar conta das pessoas. Não havia explicação. A mídia e os eletricistas não conseguiam nos explicar o porquê.

Então os geradores começaram a falhar. A maioria das escolas, escritórios e até algumas casas colocaram geradores para quando a eletricidade fosse embora. Eles estavam funcionando bem, e então, da mesma forma com que acontecera com os outros aparelhos, os geradores começaram a não funcionarem mais. Crianças tinham que ir para as escolas estudar no escuro. Eu mesma tive que chegar ao escritório onde trabalho usando uma lanterna; que eventualmente parou de funcionar, claro.

Quando as luzes pararam de ligar de volta, o estado de pânico se generalizou. Não importava o que era feito, as casas estavam ficando completamente escuras. Sem nenhum acesso à meios de comunicação, as pessoas não sabiam mais de nada.

Então as “alucinações” começaram. Pessoas gritavam que estavam vendo e ouvindo coisas. A mulher do cubículo ao lado do meu teve uma dessas alucinações. Eu deduzi que era bem ruim, porque ela grampeara os próprios olhos. Ou foi o que eu ouvi, já que nosso prédio estava na mais completa escuridão.

A sociedade começara a ruir. Os eletrônicos mantinham nossa espécie conhecida, conectada, entretida. Sem essas coisas... Bem... Agora sabemos o que acontece. Eu parei de ir ao trabalho. Ninguém estava indo a lugar nenhum; as pessoas ficavam em suas casas, estocando comida e itens de sobrevivência, e tomando conta dos entes queridos que estavam começando a ter alucinações.
Durante o dia - o único momento em que havia luz - eu vi um homem caído no meu jardim. Corri para ajudá-lo, mas assim que cheguei perto, ele começou a gritar.

“Oh Deus, as luzes! Precisamos das luzes! Tragam-nas de volta, por favor!”

Fiquei com medo de me aproximar dele. Dei alguns poucos passos em sua direção, até que suas palavras a seguir me deixaram estática:

“Eles virão se não tivermos luzes! Virão para pegar todos nós! Homens, mulheres, crianças, todos!”
Os pelos da minha nuca se arrepiaram ao ouvir aquilo. Sou uma pessoa racional, mas o modo como esse homem gritava, o modo como ele me encarava... Percebi que ele não estava apenas sofrendo de alucinações.

Eu podia ter perguntando mais ao homem, mas infelizmente ele desmaiara. Não queria deixá-lo jogado no meu jardim, mas também não podia ligar para a polícia e eu nunca o tinha visto na vizinhança antes. Acabei levando-o à estação policial do outro lado da cidade, mesmo sabendo que os policiais não estariam ali. Quando finalmente voltei pra casa, o sol já estava se pondo. Senti os pelos da minha nuca se arrepiarem mais uma vez e corri para dentro de casa, trancando a porta atrás de mim.

Uma hora depois, quando estava quase dormindo - não havia muito o que fazer nesses dias - eu escutei. Um grito de gelar o sangue, vindo de uma casa não muito longe da minha. Eu pulei da cama e corri o mais rápido que pude até a casa. Alguns outros se juntaram a mim enquanto tentávamos descobrir o que estava acontecendo. Entretanto, ninguém saíra da casa para pedir ajuda. Um homem que estava com a gente decidiu entrar para ver o que havia de errado. Ele derrubou a porta e desapareceu na escuridão.
Momentos mais tarde, ouvimos seu grito também, mas como estávamos mais perto, ouvimos sons novos além dos gritos.

Era o som de carne sando arrancada dos ossos, uma risada não-humana, e o som de sangue espirrando nas paredes.

Tudo que posso me lembrar é de estar voltando pra casa. E se eu forçar a memória desse dia, posso me lembrar de talvez ter visto um “deles” através das janelas daquela casa... Quer dizer, apenas os olhos brilhantes, claro. A coisa mesmo é toda preta, combinando com a escuridão em que vive. Claro, tem aqueles dentes...Oh Deus, os dentes. Quando aquilo sorriu para mim através da janela, eu os vi. Brilhantes, brancos e pontudos, com carne e sangue pingando deles.

Agora aqui estou. Me tranquei no quarto, tendo apenas a luz da lua vindo de uma pequena janela para guiar minha caneta enquanto escrevo isso. Ouço o pânico lá fora; as pessoas estão tentando enfrentar o que quer que sejam aquelas coisas, mas estão falhando. Mais gritos, mais ossos se partindo, mais sangue manchando as ruas... É tudo que eu tenho escutado nas últimas horas. Estou surpresa de não ter ficado totalmente insana...Ainda.

Tive algum tempo para pensar também. Este é o motivo pelo qual temos medo do escuro. Essas coisas são a escuridão, o pior dela. Eles são a razão pelo qual as crianças precisam dormir com alguma luz acesa. A luz os mata. Qualquer fonte de luz, até mesmo a luz saíndo da tela de um computador. É por isso que não atacam durante o dia. Eles são cuidadosos em aparecerem para os humanos - Quando não é hora de comer, lógico - mas agora eu sei porque todo mundo tem medo do escuro quando são crianças. Eu me lembro, agora, de ver um deles pelo canto dos olhos quando tinha cinco anos de idade. Minha mãe me disse que eu estava apenas vendo coisas que não existiam.

Se eu aguentar por mais algumas horas, o dia virá. Talvez a ajuda chegue, e eles não serão capazes de me atacar, eu ficarei segura.

Mas isso provavelmente não vai acontecer, já que posso ouví-los nas escadas agora. Eles estão vindo, e essa porta trancada não vai segurá-los. Eu vou sofrer o mesmo destino que aquelas pessoas dentro daquela casa.

Eles estão arranhando a porta agora. Posso ouví-los rindo, como se isso fosse um jogo. Tenho uma faca na minha mão, mas que bem isso poderá fazer? Por quê as luzes se foram?

Posso ver um deles ao pé da minha cama agora. Mostrando aqueles dentes para mim. Derrubo a faca. Por que se incomodar? Talvez seja apenas nossa hora, como humanos. A escuridão está aqui para limpar a terra.

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